quarta-feira, 14 de março de 2018

Para mudar a política é preciso ler as entrelinhas... e agir

Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas."
(Clarice Lispector)

"A topologia da rede determina o que podemos ou não fazer"
(Lazlo Barabási, pai da Ciência das Redes)

Pesquisa do IBOPE divulgada ontem aponta que 66% dos entrevistados disseram preferir votar em um candidato honesto mesmo que ele defenda políticas com as quais eles não concordem. Ela corrobora outra pesquisa que apontou a honestidade como prioridade para 72% dos eleitores.



Os jornais discutem diariamente uma suposta preferência dos eleitores por dois candidatos situados em polos opostos no espectro político, mas para mim os números relevantes das pesquisas são outros. São aqueles que estão nas entrelinhas. E estes números são claros: existe uma clara e majoritária insatisfação com os políticos, em geral, e com a forma de se fazer política no Brasil. Mais de 2/3 da sociedade não quer nenhum destes políticos e seus partidos.

Mas não basta trocar os políticos, precisamos mudar também a forma como se faz política no Brasil. 
Mexer na topologia da rede.

Como mexer na topologia da rede?
O tema é vasto: voto distrital (para diminuir o peso do dinheiro na eleição dos políticos e aproximá-los de seu eleitor), proibir a reeleição em qualquer nível (política não devia ser uma profissão...), acabar com privilégios de deputados e senadores (na aposentadoria, nos gastos autorizados para cada gabinete), mas eu escolheria dois, que do meu ponto de vista concentram a essência de como se faz política no Brasil:
# financiamento de partidos e campanhas 

# cargos e funções de confiança e gratificações

1) Financiamento de partidos e campanhas
No Brasil existem 35 partidos oficialmente registrados. Criar partido hoje, no Brasil, é um negócio extremamente lucrativo. Todos eles têm tempo gratuito na TV e, durante a campanha, vendem este tempo por fortunas para algum candidato e ainda usam o partido para arrecadar "legalmente" dinheiro das empresas. Na campanha de 2014 foram oficialmente declarados gastos de R$ 5 bilhões, sendo que 95% deste dinheiro veio de grandes empresas. Uma cifra imoral, ainda mais quando, graças à Lava Jato, sabemos que ela corresponde a menos da metade do que foi efetivamente gasto nas campanhas eleitorais e que a "doação" das empresas não foi um gesto de caridade...

Em 2014 o Fundo Partidário distribuiu R$ 363 milhões às bancadas de cada partido na Câmara dos Deputados, mas para 2018 a Câmara aprovou um fundo bilionário: R$ 1,7 bilhão! Um escárnio.  

Não adianta, no entanto, proibir a doação de dinheiro pelas empresas. É preciso também acabar com o financiamento dos partidos com recursos públicos. Partidos, campanhas, sindicatos e igrejas devem ser sustentados por contribuição individual de seus filiados e simpatizantes. Ponto. 

Vivi cinco anos na França e me surpreendi com a discrição das campanhas eleitorais. Não pode ter cartaz, distribuir propaganda nas ruas nem ter cabo eleitoral. Os partidos NÃO tem tempo gratuito na TV. A propaganda se faz com murais colocados pelas prefeituras em algumas praças onde cada partido cola UM cartaz com sua propaganda. E os partidos promovem encontros em clubes e outros locais para expor suas ideias aos eleitores. O resultado é uma campanha onde se gasta muito menos dinheiro, sem prejuízo do debate de ideias. 

Muitos dizem que “Isso vai inviabilizar as campanhas e os partidos”. Exatamente. É isto o que precisamos fazer: inviabilizar a forma como os partidos funcionam hoje em dia. Eles precisam funcionar de outra forma!

2) Cargos e funções de confiança e gratificações
Como um político como Eduardo Cunha ou Picciani se elege? Com uma campanha subterrânea, baseada em votos obtidos em comunidades carentes espalhadas em todo o Estado. E como eles chegam até estas milhares de comunidades onde se concentram 70% dos eleitores? Através de cabos eleitorais. Quem são estes cabos eleitorais? Muitos são funcionários públicos (concursados ou não). Mas não quaisquer funcionários públicos: Quase todos estes "funcionários" estão enquadrados numa categoria chamada de "cargos e funções de confiança e gratificações".

Quantos são?
Em 2000, só no governo federal, tínhamos 70 mil pessoas que ocupavam cargos públicos por "indicação" de algum político. Hoje são mais de 100 mil! Não existe paralelo em NENHUM PAÍS DO MUNDO! Na França e na Alemanha, por exemplo, são cerca de 500 cargos deste tipo. Se acrescentarmos os estados e municípios chegamos ao número estratosférico de mais 1 milhão de cargos e funções de confiança. Repito: 1 milhão!

Claro que nem toda pessoa que ocupa um cargo deste é cabo eleitoral de alguém e vários deles são funcionários concursados, mas cedidos para algum outro órgão. Tem gente séria também. Mas são a ínfima minoria. 

Alguns amigos alegam que acabar com estes cargos "inviabilizaria os governos, em todos os níveis". De novo, é exatamente o que precisamos fazer: inviabilizar a forma pela qual os governos governam. Precisamos de um Estado que funcione de outra forma, mais descentralizada, transparente e cidadã. 

Em resumo, se queremos realmente mudar a forma de se fazer política no Brasil vamos precisar punir exemplarmente os corruptos e não reeleger ninguém, mas isto não basta. Seria, como diria meu avô, mudar as moscas, mas mantendo a merda... Precisamos mudar este modelo político que permite que este esquema se reproduza, mesmo que se troquem as pessoas. 

Para isto:

# a política deveria ser financiada exclusivamente pelos filiados e simpatizantes
# deveríamos eliminar 90% dos cargos e funções de confiança e gratificações

Bora? 


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