quarta-feira, 23 de maio de 2018

Facebook e fact checkers, os novos "certificadores da verdade"?


Il est interdit d´interdire (pichação de rua em maio de 68, na França)
É proibido proibir (Caetano Veloso)


No dia 10 de abril de 1984 eu estava na Candelária. Em plena ditadura do presidente "prendo e arrebento" João Figueiredo, eu e mais de um milhão de pessoas estávamos nas ruas para pedir "Diretas Já"! Na mesma noite o jornal nacional, na TV Globo, não falou nada do comício. Só uma imagem dizendo que o "trânsito estava confuso no centro do Rio"... 

Nesta época, o que não saia no jornal Nacional ninguém sabia que tinha acontecido. A mídia era controlada pela censura e vivíamos um momento de monopólio da informação pela "grande imprensa"... As outras fontes de produção e distribuição da informação eram os sindicatos e organizações como UNE e partidos políticos. 

Bem antes disso, na idade média, bem menos gente tinha acesso a informação. Os textos eram manuscritos e poucas pessoas sabiam ler. A Bíblia era lida, interpretada e sua mensagem transmitida pelos membros da igreja. Quem tinha outra visão dos fatos era simplesmente excluído do convívio social, como Giordano Bruno e Galileu. Para a igreja, o que eles diziam era "fake news"...

Com a invenção da prensa e, posteriormente, com a massificação da alfabetização, as pessoas passaram a ter contato direto com o texto escrito e a leitura e interpretação da Bíblia foi desintermediada. Para desespero dos religiosos que controlavam a produção e disseminação do conteúdo. Os novos "donos da verdade" passaram a ser a grande imprensa, sindicatos e partidos políticos.


A internet e as redes sociais chegaram para bagunçar este coreto... Elas provocaram um "descontrole" da produção e distribuição das notícias e os antigos controladores da informação se sentem incomodados. 

A questão agora são as notícias falsas ("fake news") nas redes sociais, seus efeitos negativos e como combatê-las. O problema é real e cabem muitas discussões para diagnosticá-lo assim como podem existir muitas ideias para contorná-lo. A ideia do Facebook foi contratar agências de notícias, que eles chamam de "fact checkers" (verificadores dos fatos), que vão certificar se uma determinada notícia é falsa ou verdadeira e, dependendo desta avaliação, impedir ou não que ela circule nas redes. É a clássica solução de se tirar o sofá da sala para impedir a filha de namorar ou de matar o mensageiro que nos traz notícias ruins para tentar impedir que elas circulem...

Em primeiro lugar porque as "fake news" existem desde que o mundo é mundo. E a melhor forma de combater os boatos e notícias falsas é aumentar a descentralização da produção e distribuição da informação e não tentar controlar, centralizar e censurar. Os cientistas de dados e de redes já sabem que a melhor maneira de se combater um vírus na internet não é de centralizar a rede e criar "nós de controle", mas ao contrário, de deixar a rede livre e identificar os "hubs", nós centrais, que disseminam os vírus. Ao invés de contratar "fact checkers" para controlar a produção e disseminação de conteúdo, o facebook deveria é rastrear continuamente os "hubs" que disseminam notícias falsas. 

Em segundo lugar, porque a história está repleta de exemplos de que esta ideia de delegar a alguém o papel de "certificador da verdade" não dá certo, mesmo que você tenha, como no caso da igreja, o aval de Deus... E o argumento de que os "fact checkers" não vão censurar ou avaliar opiniões, mas "fatos" não se sustenta.

Vamos a um caso concreto: No dia 31 de agosto de 2016 o
 plenário do Senado, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, aprovou , por 61 votos favoráveis e 20 contrários, o impeachment de Dilma Rousseff. Um fato. No entanto, algumas pessoas acharam que isto foi um "golpe" e disseminaram repetida e incansavelmente esta informação nas redes sociais. O que deveriam fazer as agências "certificadoras da verdade"? Bloquear a disseminação desta "fake news"? 


Ah, mas o caso da Marielle foi um absurdo! Falaram um monte de mentiras sobre ela! Verdade. As redes difundiram muitas mentiras sobre ela, sobre o Chico Buarque e outras pessoas. Qual o caminho nestes casos? Processar todos que publicaram ou disseminaram estas mentiras. Foi o que fez o Chico (com sucesso) e o que está fazendo a irmã da vereadora. 

O Facebook, se estivesse realmente interessado em restringir as notícias falsas, deveria era ajudar as vítimas a encontrar e processar todos os que contribuíram para a disseminação das calúnias e não tentar censurar a produção e disseminação de conteúdo. Porque é disso que se trata. Sob a capa de "combate às notícias falsas" o Facebook e estas agências passaram a controlar a produção e disseminação de conteúdo nas redes. Eles pretendem ser os "certificadores da verdade". 




É proibido proibir

A iniciativa do Facebook em parceria com estas agências é uma ameaça à liberdade de expressão. As pessoas de má fé que querem, deliberadamente, publicar e compartilhar mentiras, continuarão fazendo isto, com ou sem "Fact checkers". E vão encontrar novas formas de fazer suas mensagens driblarem os novos algoritmos e atingirem muita gente. Ou vocês acham que serão alguns jornalistas que vão analisar todo o conteúdo que será publicado durante as eleições e ir checando, uma a uma, as notícias e apurando sua veracidade? Quem vai fazer este trabalho de "certificação de autenticidade" serão algoritmos e pra cada algoritmo que o Face e as agências desenvolver vai ter um outro desenvolvido para quem quer disseminar notícias falsas.

As outras pessoas, que muitas vezes de boa fé compartilham notícias falsas pelas redes sociais, vão ter que ser "alfabetizadas" nesta nova realidade. Durante décadas fomos acostumados a consumir, sem nenhum distanciamento crítico, toda informação que nos chegava. Precisamos de um tempo para aprender a nos relacionar com as notícias que passaram a chegar por outras vias. 


Em qualquer situação a pior maneira de combater as notícias falsas é controlando a produção e disseminação de conteúdo. Isto é o que desejam Facebook, Google e cia. Eles pretendem ser os novos controladores da informação no mundo. Eu arriscaria dizer, inclusive, que a CIA consulta o Google antes de qualquer ação que ela pretenda fazer... E isto é MUITO grave. Estamos dando a empresas privadas, sem nenhum controle da sociedade o poder de decidir o que é verdade ou não, o que deve ser disseminado ou não. Que estas empresas queiram ser a novas donas do mundo é um direito delas. Cabe à sociedade impedir que isto aconteça. 

Mais do que nunca é hora de dizer: é proibido proibir!