quarta-feira, 29 de junho de 2016

Qual a nossa maior riqueza?


"A maior riqueza do homem é sua incompletude" 



De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo.

Você, provavelmente conseguiu ler o texto acima,  mesmo com as letras trocadas (com exceção da primeira e da última letra). O cérebro humano consegue trabalhar com a imprecisão, o insuficiente e o vago. Ao contrário do computador, conseguimos raciocinar mesmo diante da incompletude da vida. Na verdade, muito provavelmente é a incompletude da vida que provoca nosso cérebro, o faz funcionar. Se todos os fatos fossem conhecidos e todas as informações estivessem disponíveis não precisaríamos usar o cérebro, bastaria perguntar ao Google...

Muita gente tem medo que a tecnologia esteja nos levando para um mundo onde seremos totalmente controlados por algoritmos, sensores e computadores. O risco existe e os enormes avanços nestas áreas estão aí aos olhos de todos. O que poucos perceberam é que o mundo e a nossa compreensão dele estão em permanente mudança. Quando os algoritmos identificam o padrão de consumo e comportamento do Marcos Cavalcanti, ele já se transformou em outra pessoa e tem novas curiosidades, novos desejos. O que chama sua atenção agora é outra coisa. O ser humano nunca está acabado ou completo. 





Esta nossa eterna incompletude é que nos faz humanos. Paradoxalmente, no entanto, ela nos incomoda... Faz-nos sentir "vazios". Mas é este incômodo que nos faz seguir adiante em busca do que nos falta. Em um determinado momento da minha vida tive o sonho de ir morar fora do Brasil e durante alguns anos corri atrás disso. Quando finalmente realizei este sonho, fiquei feliz, mas logo vi que isto não era suficiente. Queria mais. Sempre queremos mais. Nada de errado com esta busca, desde que ela não se transforme em obsessão. 


Achar este equilíbrio entre a satisfação e o desfrute do que temos e conseguimos e a busca por sermos mais e melhores é uma arte. E é um processo dinâmico e permanente porque este ponto de equilíbrio não é fixo, está sempre mudando de lugar. Nunca o encontramos definitivamente.

Ainda bem. Se o encontrássemos estaríamos mortos... Pois como diria o grande poeta Manoel de Barros, o que nos salva é esta eterna busca por quem somos:

"Me procurei a vida toda e não me achei. 
Pelo que, fui salvo"

Portanto, quando você se sentir triste e vazio, não se desespere. É só a magia da vida dizendo que chegou a hora de você levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima... O preço da felicidade é esta eterna busca por si mesmo. 



terça-feira, 28 de junho de 2016

A Islândia e a democracia direta: sonho ou realidade?

"A topologia da rede determina o que ela pode ou não fazer" 

É impossível para um ser humano de 2 meses de idade sair caminhando. Sua estrutura óssea e muscular e a sua ainda insuficiente quantidade de sinapses no cérebro não o permitem andar. A sua complexa rede biológica ainda não está suficientemente amadurecida e ainda tem poucas conexões. Só quando sua rede se tornar mais densa e emaranhada ele conseguirá andar.



O mundo assiste encantado a seleção da pequena Islândia vencer a poderosa Inglaterra e passar para as quartas de final da Copa da Europa de futebol diante de milhares de torcedores ensandecidos. O que pouca gente sabe é que este minúsculo país que fica perto da Groenlândia e tem um pouco mais de 300 mil habitantes é o primeiro do mundo que tem uma Constituição feita de forma totalmente colaborativa, pela Internet!

Em 2008 o país viveu uma grave crise econômica e política que resultou no que ficou conhecido como a "Revolução das Panelas e Frigideiras": Mais de 150 mil pessoas (metade do país!) saíram às ruas batendo panelas e foram para a frente do parlamento exigindo uma renúncia coletiva de todos os políticos e mudanças na economia. 

Criou-se então uma "Comissão Constitucional", atendendo demanda da população com a responsabilidade de elaborar uma proposta de nova Constituição. Segundo Eirikur Bergmann, um dos 25 cidadãos eleitos para fazer parte desta comissão, "Poderíamos ter entrado nas reuniões, desligado nossos smartphones e só saído de lá quando terminássemos. Mas resolvemos fazer exatamente o oposto: criamos uma página no Facebook, Twitter, um site e todas estas coisas para apoiar a ideia de uma constituição colaborativa". Além de ler os comentários nas redes sociais, eles publicavam tudo o que escreviam, mesmo se não estivesse completo ainda. As pessoas opinavam e a comissão revisava e melhorava o texto constantemente.

O processo demorou três anos e ao final os políticos queriam aprovar a proposta numa sessão do parlamento, mas a população se revoltou novamente e exigiu um plebiscito para decidir os pontos de divergência no texto. O governo se rendeu a pressão popular e em outubro de 2012 a Constituição da Islândia foi aprovada numa consulta direta aos cidadãos. 

Vale lembrar um aspecto fundamental para o sucesso deste empreendimento: 95% dos islandeses estão conectados a internet. É uma das mais altas taxas de penetração no mundo.

Mas nem tudo são flores... Os islandeses viveram esta experiência da democracia direta, mas mantiveram o Parlamento tal como ele existe há centenas de anos. E o resultado é que os políticos retomaram as rédeas do processo, voltaram aos conchavos de gabinete habituais e revogaram algumas dos itens do texto aprovado por mais de dois terços da população no referendum (veja este link para mais detalhes)...

Segundo Bergmann, que além de membro da Comissão Constitucional é professor na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Bifröst, "Muitas dessas experiências fracassam porque os políticos não querem dividir o poder. É preciso dar um passo além dos protestos e utilizar as redes sociais para aumentar a democracia nos governos".

Na verdade, o que a experiência da Islândia nos mostra é o que o cientista Albert-Lázsló Barabási, um dos pais da chamada Ciência das Redes, já demonstrou: a topologia da rede determina o que ela pode ou não fazer. Uma estrutura e um processo democrático hierárquico e viciado como o que temos hoje é incapaz de gerar uma constituição e um modelo de gestão descentralizado e em rede, que as sociedade necessitam, em seu estágio de desenvolvimento atual, para existir e sobreviver. Vamos precisar construir novas estruturas de poder, mais descentralizadas, para poder dar conta da complexidade e diversidade da sociedade. 

Este é o grande desafio que temos nesta aurora do século XXI: encontrar novas formas e processos para viabilizar a democracia direta, onde cada cidadão seja o representante de si próprio, sem intermediários... Parece longe e utópico, mas é uma absoluta necessidade para avançarmos neste novo milênio, afinal como diria o grande Raul Seixas "sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só; sonho que se sonha junto é realidade".

Vamos sonhar juntos, em rede!




sexta-feira, 24 de junho de 2016

Que Europa foi derrotada?

O desafio da Europa é o mesmo que o nosso: construir novas estruturas de poder, mais autônomas e descentralizadas. Em rede...




Basta olhar os dados. A maioria que tirou a Grã Bretanha da Europa foi construída pelas pessoas que não ganhavam nada com ela: trabalhadores de renda mais baixa, pessoas com menor qualificação profissional e com mais idade. Por mais que tenha havida um posicionamento diferente entre os partidos (os trabalhistas defendendo a permanência e os conservadores, a saída), o discurso dos que defendiam a saída era supra partidário. Mais ainda, era um discurso contra as multinacionais e as grandes corporações, "as únicas que ganham com a Europa", e contra o "centralismo de Bruxelas".
A queixa contra o centralismo de Bruxelas (a sede do parlamento europeu) e esta "Europa das grandes corporações" é muito grande mesmo nos países que defendem a permanência na Europa. E é um problema real, que afeta a vida de todos que lá moram. De fato, a ideia de unir diferentes povos e culturas não é rejeitada por ninguém. Assisti o discurso de um dos que lideraram a campanha pela saída e ele dizia, explicitamente, que queremos estar juntos com os outros países, mas de forma autônoma e independente.
Podemos analisar esta decisão, que derrubou as bolsas em toda e Europa e fez a Libra cair ao seu mais baixo valor em mais de 31 anos!, sob vários pontos de vista. Para mim, é mais uma demonstração clara que estruturas hierárquicas não conseguem lidar com a complexidade. A Europa que foi derrotada neste referendum foi a Europa centralizada, hierárquica, burocrática, das grandes corporações. O que eles precisam pensar é num outro modelo, mais descentralizado, em rede. Uma Europa que se reúna em torno de valores comuns, mas que se estruture de forma autônoma e descentralizada. Em rede.
É um desafio. 
É O desafio para todos nós nesta aurora do século XXI...

quarta-feira, 15 de junho de 2016

E, de repente, 58!

"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida"
(Carlos Drummond de Andrade)

"eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
 
(Torquato Neto) 







Quando eu nasci, há 58 anos, um anjo torto me disse: vai, Marcos! ser gauche na vida. Depois ele apertou minha mão e falou para eu ir desafinar o coro dos contentes. E foi isto o que fiz na vida.

Na véspera deste 16 de junho de 1958, um outro anjo, só que de pernas tortas - Garrincha, tinha feito misérias no jogo contra a União Soviética, quando o Brasil conseguiu seu primeiro campeonato mundial. Nos dias que se seguiram ao meu nascimento, no entanto, nada de excepcional se produziu. Fui morar em Laranjeiras, jogava bola com meus amigos do prédio e no colégio, embora fosse um ótimo aluno, era muito tímido. Se alguma menina viesse me dar bom dia eu ruborizava e começava a transpirar... Um cara bom aluno e extremamente tímido era um prato feito para ser sacaneado por todo mundo. O que me salvou foi o futebol. Jogava bem e todos me queriam no seu time na hora do recreio, então iam zoar outras pessoas... Nesta época meus olhos brilhavam pelo estudo, pelo futebol e pelo Fluminense.

Mais tarde o Colégio São Vicente de Paulo me fez descobrir o mundo e suas injustiças. Quando entrei na faculdade participei do movimento estudantil, ajudei a reconstruir a UNE, fui da UEE (União Estadual de Estudantes) e acabei me casando. Meus olhos brilhavam pela política e a luta pela democracia e contra as injustiças.

Ao final da faculdade fui trabalhar no mercado financeiro e acabei fazendo um doutorado na França. Foi um período de intensas transformações na minha vida e no mundo. Assisti de perto ao fim do Muro de Berlim, a ascensão do governo socialista de Miterrand na França, viajei por muitos lugares e, sobretudo, virei pai. O nascimento da minha filha me transformou profundamente. Meus olhos passaram a brilhar por ela...

Na minha volta ao Brasil tive a sorte de virar professor. Não tinha a menor ideia de que gostava disso. Desde então nunca mais acordei na segunda feira com preguiça ou imaginando: "que saco, mais uma semana de trabalho". Certa vez participei de uma entrevista com a Leda Nagle num programa chamado Sem Censura, e na mesma mesa estava a Marília Pera. Antes da gravação do programa perguntei pra ela como ela conseguia atuar numa peça de teatro durante meses ou anos, e a cada dia repetir o mesmo texto sem cansar. E ela me disse: "Sempre imagino que pra mim é mais um dia, mas para as pessoas que estão ali para me assistir é a primeira vez... Então é a nossa primeira vez juntos e eu falo meu texto como se fosse a estreia da peça". A cada semestre, quando começo um novo curso, me lembro desta conversa com a Marília Pera, e meus olhos brilham toda vez que tenho que entrar em sala...

Olhando pra trás vejo que tudo mudou. Morei em mais de 24 lugares diferentes! Deixei pra trás muitos livros, móveis, dois casamentos e alguns amores, as árvores que plantei no São Vicente, a meninice e a adolescência a que tive direito. Minha sensação é que minha vida aconteceu como aquelas bonecas russas, que vamos tirando uma de dentro da outra. A esta altura já devo ter passado da metade das bonecas... Só uma coisa ainda não perdi: o brilho nos olhos. Esta energia vem das pessoas que amo e deste anjo torto que insiste em me acompanhar...

No mais, sigo vivendo. Parafraseando o Mário Quintana:

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 58 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Hora de seguir em frente!
Sem deixar de fazer algo de que se gosta por "falta de tempo".
Não existe falta de tempo. O tempo é uma questão de prioridade

E se sentir saudade, não fique triste. Dizem que se a saudade não vai embora é porque o amor resolveu ficar