quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Inovadores (e cientistas): estes fora da lei...

Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra, disse:
Vai, Carlos, ser gauche na vida

(poema das setes faces - Carlos Drummond de Andrade)

 

Quando era garoto eu era meio do contra: gostava muito de ler, ganhava medalha por bom comportamento no colégio, escrevia para o jornal do grêmio mas, ao mesmo tempo, gostava de jogar bola (era bom nisso) e pegar jacaré na praia. Em geral, quem era meio intelectual menosprezava os esportes e vice versa... 

Fomos educados para seguir as leis, as normas e se adequar aos padrões. Quando resolvi ser cientista não foi para repetir o que os outros faziam, mas para descobrir coisas novas, fora das normas e dos padrões. Acho que esta é a essência de um inovador e de um cientista: ultrapassar a fronteira do conhecimento, caminhar por onde ninguém caminhou antes.

Neste sentido, todo inovador e cientista é um "fora da lei". Estas pessoas estão explorando mares nunca dantes navegados, onde ainda não existem leis.  

"Por mares nunca de antes navegados 
Passaram ainda além da Taprobana*..."
(Os Lusíadas, Luis de Camões)

Como os navegadores dos anos 1500, os cientistas e inovadores se arriscam para encontrarem Taprobanas*, explicações para os dilemas e problemas da humanidade. Os que não fazem isto, e não se arriscam, não deveriam se chamar inovadores (ou cientistas). Eles e elas são os/as fora da lei do bem...

Infelizmente boa parte das pessoas que se auto intitulam como inovadores ou cientistas na verdade só fazem chover no molhado. Temos um ambiente que desestimula os inovadores (e cientistas). Estas pessoas precisam enfrentar uma burocracia sem sentido, feita para grandes empresas, enquanto os cientistas estão fissurados para escrever artigos repetitivos, mas de agrado dos que pensam como eles. Precisamos romper isto. Criar um ambiente que estimule os inovadores e os cientistas a desbravarem estes mares inexplorados, com os riscos inerentes a esta empreitada. 

Caríssim@s colegas, sigamos o conselho do poeta português Fernando Teixeira de Andrade:

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmo.

Ousemos fazer a travessia do desconhecido. Vamos abandonar esta fissura em publicar papers que ninguém lê e encontrar outras métricas para aferir a produtividade das pessoas. Se não fizermos isto, corremos sério risco de deixarmos de ser necessários para a humanidade. 

Simples assim.


PS: Taprobana ficou famosa por ter sido utizada por Camões na primeira estrofe de “Os Lusíadas”. Na época era um lugar mitico, quase desconhecido, e que simbolizava a coragem e empreendedorismo dos que se arriscavam a ir até lá. Na verdade é o nome antigo do Sri Lanka, um país-ilha ao sul da Índia que foi colônia portuguêsa por 150 anos.

segunda-feira, 18 de julho de 2022

O cordão dos PUXA SACO

“Lá vem / O cordão dos puxa-saco 
Dando viva aos seus maiorais 
Quem está na frente é passado para trás 
E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais...”
(Marchinha de Carnaval de Roberto Martins e Frazão) 


“Idolatria é tudo que escraviza o ser humano. 
Paixão desenfreada por dinheiro, time de futebol, partido político, políticos de carne e osso, jogo, bebida alcoólica, cigarro, religião, etc. A lista de itens escravizadores do ser humano é imensa. 
Todos exigem do escravizado tempo, dedicação e quase sempre dinheiro…” 
(autoria desconhecida)

 

Os mitos e gurus não existiriam sem seus fanáticos adoradores. Sem o cordão de puxa sacos que seguem seus "líderes" como os ratos seguiam o flautista de Hamelin, eles simplesmente desapareceriam. Estudos recentes, notadamente de uma psicóloga dinamarquesa, confirmam este fato. 

Mas antes de falar deste estudo, vamos deixar claro sobre quem estamos falando.




Muita gente se pergunta o que leva as pessoas poderosas a ultrapassarem os limites éticos e legais e cometerem crimes. No nosso imaginário, quando ouvimos falar de “pessoas poderosas” pensamos logo em políticos, banqueiros e grandes industriais, mas os grandes poderosos neste início de século XXI são as empresas de tecnologia.

No Brasil temos a idolatria dos políticos, que nos faz “esquecer” os crimes que cometeram. O que ainda não percebemos é que existe também uma "idolatria da tecnologia" que nos leva a ter a noção equivocada de que pessoas (geralmente homens) de grandes realizações (geralmente em tecnologia) não devem ser criticadas, não estão sujeitas a um código de ética e estão acima da lei. Isso é ruim para a sociedade e para os próprios inovadores pois as restrições e dificuldades são essenciais para que a inovação aconteça. A resistência constrói a força, e um ambiente que recompense o talento e não o clientelismo ou o corporativismo é essencial para um país reduzir desigualdades e promover um progresso econômico e social. Afinal, os seres humanos funcionam mal na ausência de limites, estruturas e desafios.

Mas voltando a pergunta inicial, a psicóloga Merete Wedell-Wedellsborg, que estuda executivos poderosos, militares e juízes, descobriu que a ação (ou mais frequentemente a inação) daqueles que cercam líderes poderosos é fundamental para seu comportamento antiético. Os puxa-sacos que vicejam em volta destas pessoas desenvolvem um ambiente viciado que provoca o "entorpecimento” das pessoas em relação ao comportamento de seus líderes, cujos sucessos passados ​​justificam os abusos do presente.

A autora mostra como estes transgressores promovem uma cultura que normaliza o anormal. Pessoas poderosas normalmente têm um talento descomunal para encontrarem uma narrativa não só para justificar seus erros como para os transformar em acertos…

Mas nada disso seria possível sem o beneplácito da sociedade e das pessoas que os cercam. Desenvolvemos toda uma mitologia em torno de artistas e poderosos cujos excessos são considerados excentricidades e não defeitos. Um político brasileiro falou que “Uma mulher não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida, ela tem que ser submissa a um parceiro porque ela gosta dele e quer viver junto com ele”, mas seus seguidores e boa parte da intelectualidade brasileira que o venera ignora sua misoginia. São incapazes de dizer o óbvio: “Não, esta é uma opinião machista”. Ponto.

O mito tecnológico

Mas o cordão dos puxa sacos aumentou, como na marchinha de carnaval. Agora não são só os políticos. Desde Bill Gates e Steve Jobs que aceitamos o discurso de que um executivo de tecnologia é um gênio. Os fanáticos seguidores da Apple, que fazem fila para comprar um novo Iphone (que a cada ano muda o formato do carregador para poder vender mais) são um exemplo disto. Qualquer crítica ao líder ou ao produto, por mais justificada que seja, parece uma crítica aos próprios seguidores.

Tristan Harris e o Center for Humane Technology têm chamado a atenção para os perigos gerados pela tecnologia. Depois que Elon Musk anunciou sua intenção de renegar sua obrigação contratual de comprar o Twitter por US$ 44 bilhões, o que era para mim uma suposição se tornou uma certeza: considero Musk a figura de proa de uma cultura empresarial que usa a tecnologia para explorar a fraqueza humana em vez de capacitar pessoas. Ele é o retrato vivo de uma cultura de gerenciamento tão egocêntrica que não respeita as pessoas que usam seus produtos e serviços, que não respeita as regras e as leis.  

Outros exemplos de executivos deste tipo são Travis Kalanick, que construiu o Uber violando as leis de transporte e trabalho, e Zuckerberg, que mantém sem controle social seu negócio perigoso e destrutivo, que monetiza a depressão, o isolamento e a raiva das pessoas.

Como todo mito ou guru, Elon, Zuckerberg,Travis e seus puxa sacos precisam das críticas dos “infiéis” para justificar sua cultura agressiva. Na caso de Elon Musk, seu amor declarado pela liberdade de expressão não tem nada a ver com direitos civis, engajamento cívico ou comprometimento com a democracia. Suas razões para abandonar o acordo com o Twitter foram descritas por observadores financeiros como "risíveis", "absurdas" e "estúpidas". Elon não iria “consertar” o Twitter assim como Trump sabia que não iria forçar o México a pagar pelo muro. Toda esta retórica era só um meio para mobilizar sua tropa de bajuladores.

Mas há uma lição para todos nós que estamos indignados com a falta de indignação. Dar palco para Elon ou para um político que tem seguidores fanáticos nas mídias digitais só alimenta aqueles que se sentem à vontade com seu guru de estimação. Devemos parar de dar trela a estas pessoas não apenas na internet. Dentro das universidades, que supostamente deveria ser um ambiente onde se analisaria este e outros fenômenos de maneira aberta e crítica, encontramos este mesmo ambiente fechado e intolerante das mídias digitais. Na prática é o mesmo tipo de intolerância tribal que serve aos interesses dos poderosos, não dos impotentes, pois reúne “militantes fanáticos” e não pesquisadores críticos. A intolerância deveria ser o alvo do progresso, não sua ferramenta.

A tecnologia e a prosperidade econômica que ela gerou são irreversíveis. O número de pessoas que a usa e dela se beneficia não para de crescer. A profusão de gritos e discursos inflamados nas mídias digitais, 24 horas por dia, 7 dias por semana, tornou a torre da idolatria mais alta. Os algoritmos que nos fecham em bolhas, onde todas as mensagens que recebemos e vemos são de opiniões parecidas com as nossas tornou a animosidade maior ainda.

O que fazer?

Tudo indica que o tribunal de Delaware, onde Musk vai ser julgado, vai puni-lo exemplarmente. O valor das ações do Twitter, sem Musk, é de cerca de US$ 20 por ação. Pelo contrato que assinou com o Twitter ele deve pagar U$ 54,20 por ação. O tribunal de lá costuma julgar sem se deixar influenciar pela balbúrdia das mídias digitais e de seus fanáticos puxa sacos. O homem mais rico do mundo vai ter que pagar alguns bilhões de dólares para o Twitter.

A punição de Elon Musk vai contribuir para quebrar o mito de que a tecnologia e seus executivos podem tudo, mas isto é muito pouco. A sociedade precisa se conscientizar dos males que a idolatria, qualquer uma (política, religiosa, tecnológica) provoca. Até porque a idolatria e o fanatismo são uma doença que nos faz muito mal.

Em psicologia, os fanáticos são descritos como indivíduos excessivamente agressivos, preconceituosos, que possuem ódio, estreiteza mental e extrema credulidade quanto a um determinado "sistema" ou pessoa. A medicina já comprovou que todos estes sentimentos aumentam em nosso organismo a produção de cortisol, o hormônio do estresse, que além de prejudicar o bem-estar emocional, ainda atrapalha o sono, resulta em aumento de peso e até mesmo problemas cardíacos.

Precisamos criar um novo caminho para o desenvolvimento que:

  • seja centrado em valores humanos e projetado com consciência de que a tecnologia nunca é neutra e é inevitavelmente moldada pelo ambiente socioeconômico circundante;
  • seja sensível à natureza humana e não explore nossas vulnerabilidades fisiológicas e psicológicas;
  • reduza as desigualdades, a ganância e o ódio;
  • ajude a construir uma realidade compartilhada em vez de nos dividir em bolhas, com realidades fragmentadas.

Tudo isto parece utópico, mas a alternativa é um caminho que nos levará para o totalitarismo e/ou a barbárie.

Um outro mundo é possível.

Com menos puxa sacos e idolatria e com uma tecnologia mais humana.


Bora?

 

PS: para saber mais sobre estes assuntos, acompanhe este blog e o site do Crie (http://crie.ufrj.br)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A tragédia (anunciada) em Petrópolis

4º episódio da série “A falência do modelo de Estado: sem mudar a topologia, nada muda!”

Acabei de assistir a entrevista do Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros, o Coronel Leandro Monteiro, ao RJ-TV. Diante da tragédia que está sendo provocada por fortes chuvas, o Comandante só falou abobrinhas. Anunciou que vai ter uma "reunião" às 22h, disse que estava indo para lá e diante da pergunta sobre o que a população devia fazer só conseguiu dizer o óbvio: "Fiquem calmos...".
As chuvas neste periodo do ano não são exatamente uma surpresa. Um Estado que seja organizado para atender a população TEM que ter um plano de contingência pronto para o caso destas catástrofes naturais. O comandante devia saber de cor e salteado o que fazer e dizer nestas situações e não se limitar a pedir calma. O que eu esperava que ele dissesse é que "estamos colocando em marcha o Plano X", que prevê uma integração entre todos os hospitais e postos de saúde da região, que indicasse os locais (que precisam ser previamente definidos) seguros para a população se dirigir, que desse um número de telefone para as pessoas pedirem ajuda (e que deveria ter um número de atendentes reforçados nestes momentos)... Enfim, UM PLANO! Claro que cada caso é um caso, mas a Defesa Civil já tem mapeado as áreas de risco do Estado e pode (se é que não tem) definir um plano deste tipo. Se o plano existe, o Comandante do Corpo de Bombeiros o ignora, e como ele é o Chefe da Defesa Civil isto é muito grave.



O que está acontecendo AGORA, em Petrópolis é mais um retrato da falência do nosso modelo de Estado. Uma estrutura montada para prejudicar o cidadão e favorecer o grupo que está no poder. Precisamos urgentemente mudar a topologia do Estado Brasileiro.
Sem mudar a topologia, nada mudará de fato.
Precisamos de um Estado focado em ATENDER AO CIDADÃO e não ao poderoso de plantão. Enquanto não fizermos isto, vamos substituir os presidentes, governadores e prefeitos sem que nada mude, de fato.
Até a semana que vem!

domingo, 30 de janeiro de 2022

O Brasil investe pouco em educação?

 3º episódio da série “A falência do modelo de Estado: sem mudar a topologia, nada muda!”

“Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.” Rubem Alves Um dos poucos assuntos que é uma unanimidade no Brasil é a Educação (saúde também). Pergunte a qualquer pessoa: “Você acha que a Educação deveria ser uma prioridade nacional?” e veja a resposta. Garanto que 99% das pessoas vão responder “SIM!”. Enfaticamente. No entanto, os resultados educacionais são muito ruins. Segundo Simon Schwartzman, “os dados do PISA, a pesquisa internacional da OECD sobre a qualidade da educação, mostravam que, dos 47% dos jovens de 15 anos que conseguiam chegar ao fim da escola fundamental ou início da média, 67% não tinham os conhecimentos mínimos de matemática esperados para a série, 18.8% não tinham a capacidade mínima de leitura, e 54% não dominavam os conceitos básicos de ciência. Os outros 53% tinham ficado para trás, ou desistido de estudar. Aos 18 anos, em 2012, somente 29% dos jovens haviam conseguido chegar ao último ano do ensino médio ou haviam entrado no ensino superior, e metade já havia deixado de estudar. Quem olha os dados vê a tragédia que está ocorrendo, mas a maioria da população, talvez por ter conhecido dias piores, não enxerga o problema”. (https://www.schwartzman.org.br/sitesimon/) Por que a educação brasileira é este desastre? A resposta mais comum é: “falta dinheiro” ou “Investimos pouco". Será? No Brasil, o gasto público em educação como percentual do produto interno bruto (PIB) é de 6,3% (Fonte: MEC/Inep/DEED), maior do que a média dos países da OCDE (4,4%) ou mesmo de países como Suécia (5,8%), Bélgica (5,7%), Islândia (5,7%) e Finlândia (5,8%). O Brasil só fica abaixo da Noruega (7,2%). Portanto, não falta dinheiro nem investimos pouco em educação. O problema é outro. Não falta dinheiro nem investimento, mas investimos mal. Proporcionalmente, gastamos muito mais do que deveríamos no ensino superior, em detrimento do ensino básico e fundamental. O gasto por aluno do Ensino Superior (R$ 28.640,00) é 3,8 vezes maior que o que gastamos com o aluno da Educação Básica (R$ 6.823,00) mesmo considerando que neste último caso existe o custo da merenda escolar. Nos países desenvolvidos da OCDE, o gasto com aluno do ensino superior é apenas 1,8 vezes maior que o gasto com alunos do ensino básico. Gastamos, portanto, mais do que o dobro dos países da OCDE com o ensino superior (em comparação com o ensino básico e fundamental). Vejam a tabela.

Outro paradoxo é que 80% dos alunos do ensino médio estudam em escolas públicas, mas apenas 36% destes alunos entram numa universidade (quando o aluno vem da rede privada este percentual mais do que dobra: 79,2%). A sociedade investe (proporcionalmente) muito mais nos alunos de Ensino Superior e mais da metade destes alunos são oriundos da rede privada de ensino médio. Ou seja, alunos que pagavam o ensino médio vão estudar gratuitamente no ensino superior, que é muito mais caro. Em resumo, o problema da educação brasileira não é “falta de verbas”, mas a necessidade de inverter nossas prioridades. A prioridade deve ser o ensino básico e fundamental (sem descuidar do Ensino Superior). Ponto. Investimos, proporcionalmente, menos do que deveríamos no ensino básico e fundamental e, sobretudo, investimos mal. Não se trata apenas de melhorar o salário dos professores ou os prédios, mas sobretudo de criar uma plataforma, um ambiente, que permita a cada aluna(o) aprender no seu ritmo. Em colaboração com alunos e professores de qualquer lugar do Brasil e, porque não, do mundo. A criação deste ambiente, que conjuga o ensino físico com o virtual é hoje um dos focos de atuação do CRIE. Estou convencido que ele promoverá uma verdadeira revolução na educação, mas este é assunto para uma outra conversa... O ponto chave aqui é termos um outro modelo de Educação, com foco no ensino básico e fundamento, acessível a todos os cidadãos. A topologia do Estado brasileiro está montada para funcionar de forma excludente. No caso da Educação, está montada para privilegiar as Universidades, que acabam sendo acessíveis a quem teve dinheiro para pagar um ensino básico e médio privado. Não adianta dar mais dinheiro para um modelo excludente e elitista. Nem achar que a política de cotas nas universidades vai resolver estes problemas. Sem mudar a topologia, nada muda de fato. Precisamos de um outro modelo educacional, não para ensinar as respostas, como disse Rubem Alves, mas para ensinar a fazer perguntas. A principal meta da educação, neste século XXI, é criar homens e mulheres que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens e mulheres criadores, inventores, descobridores, capazes de navegar por mares nunca dantes navegados. Até a semana que vem! PS: para acompanhar esta série de posts sobre a Topologia do Estado, siga o blog
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segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

BURROcracia

"Burocracia é a arte de fazer o possível impossível..."

3º episódio da série “A falência do modelo de Estado: sem mudar a topologia, nada muda!”

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” - Inciso LVII do Artigo 5 da Constituição Federal “Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente, até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas” Artigo 11° da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) Em 1990, quando estava fazendo meu Doutorado, na França, recebi 700 francos do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), o CNPq francês, para participar de um Congresso em Avignon, onde ia apresentar um artigo que escrevi. O dinheiro era para pagar o trem (ida e volta), o hotel e a inscrição no evento. Na hora de prestar contas, qual não foi minha surpresa: tudo o que a instituição francesa me pedia era um documento assinado por mim detalhando os gastos. Não precisa anexar NENHUM comprovante de despesa! Em 1993, quando minha filha nasceu, na França, fui registrá-la na Sécurité Social, o INSS francês. Quando fui atendido o funcionário me pediu a Certidão de Nascimento da minha filha. Procurei na minha pasta e não achei. Eu simplesmente tinha esquecido de levar a certidão! Comecei a balbuciar uma desculpa quando o funcionário me interrompeu dando uma folha em branco e dizendo: “Não tem problema. Faça uma declaração de próprio punho dizendo que você é o pai da criança, o nome dela, a data e o local de nascimento, e assine”. Fiz tudo isto e entreguei a folha assinada para o funcionário. Antes de receber a folha ele me disse: “Se o senhor estiver mentindo a punição é de 1.000 francos e o senhor está sujeito a ficar seis meses preso. O senhor quer entregar a declaração?” Eu disse que tudo o que tinha escrito era verdade e que ia entregar a declaração. No mês seguinte já passei a receber uma ajuda financeira do governo que tinha direito pelo nascimento da Júlia... Qual é a lógica por trás destes procedimentos burocráticos? Um princípio constitucional básico: “Todo cidadão é INOCENTE até prova em contrário”. Não é o cidadão que tem que provar que é inocente, como no Brasil. É o Estado que tem que provar que ele é culpado. Se eu disse que gastei 200 francos com uma passagem de trem Paris-Avignon-Paris, ou que tenho uma filha chamada Júlia, que nasceu no dia 07/03/1993, em Paris, cabe ao Estado, se desconfia que estou mentindo, que prove que eu cobrei mais caro pela passagem do que ela efetivamente custou ou que eu não tenho uma filha nascida nesta data. Parem agora um minuto para imaginar o que esta simples inversão de lógica provocaria na nossa vida e no país.

Uma verdadeira revolução! Minha estimativa é que a simples decisão de considerar o cidadão inocente até prova em contrário e de criar procedimentos burocráticos de acordo com esta premissa faria o PIB brasileiro crescer mais de 5%! Claro que o segundo ponto desta revolução é igualmente importante: se o cidadão estiver mentindo ele tem que ser exemplarmente punido, com multas pesadas e prisão. Outra noção básica que esquecemos é que temos direitos e DEVERES e que temos que ser responsabilizados por nossos atos. E para fazer esta revolução não precisamos construir prédios, gastar dinheiro, contratar pessoas, nada. Só inverter a lógica burocrática e criar novos procedimentos. É o que estava na base das propostas do Ministro Beltrão quando ele assumiu o Ministério da Desburocratização, lembram? E para provar que tudo isto não é um sonho inatingível, basta nos lembrar como funciona a Receita Federal, aqui no Brasil. Na declaração de imposto de renda NÃO ANEXAMOS NENHUM COMPROVANTE de despesa. Simplesmente informamos quanto gastamos com plano de saúde, com o médico X, etc. Exatamente como eu fiz quando prestei contas para o CNRS francês em 1990! Mais de trinta ano depois, com os avanços da informática e das redes é simplesmente inaceitável que a BURROcracia do Estado brasileiro continue a asfixiar as empresas e os cidadãos com demandas absurdas e injustificadas. Vou começar a listar algumas aqui, e todos podem contribuir colocando nos comentários exemplo de demandas burocráticas que deveriam simplesmente deixar de existir. 1) A exigência de andar com carteira de motorista ou de identidade: num mundo digitalizado, é totalmente desnecessário. Se o guarda pedir a carteira, você deveria informar seu nome e/ou o número da carteira e isto ser o suficiente para comprovar sua existência... 2) Em toda licitação pública os governos federal, estadual e municipal cobram dos participantes “Atestados” de “Regularidade fiscal, social e trabalhista”. Por quê? Não é o cidadão que tem que provar que está quites com o Estado, é o Estado que têm que provar que eu estou inadimplente. Pedir estes atestados é o reconhecimento que o Estado não tem controle de quem está ou não adimplente... 3) Na prestação de contas de uso das verbas do CNPq, CAPES, FAPERJ, FAPESP, estas instituições exigem recibos e comprovantes de tudo: passagens (tem que ser passagem USADA), nota fiscal, etc. Como vimos no exemplo que eu dei, não precisava nada disso. Bastava a palavra do cidadão. 4) .... Mas nossos candidatos a presidente não falam disto. Os dois principais candidatos já foram (ou são) “chefes” da máquina, e a usaram para beneficiar a si mesmos ou ao seu partido/grupo político. A topologia do Estado brasileiro está montada para prejudicar o cidadão e favorecer o grupo que está no poder. Não adianta colocar uma pessoa lá sem mudar esta topologia. Esta pessoa vai ficar refém desta estrutura corrupta e viciada. Sem mudar a topologia, nada mudará de fato. Este é mais um ponto chave do novo modelo (topologia) de Estado: acabar com a BURROcracia respeitando uma máxima da nossa constituição: cabe ao Estado e não ao cidadão o ônus da prova.
Na semana que vem vamos falar sobre Educação: o que estamos fazendo de errado? Até semana que vem! PS: para acompanhar esta série de posts sobre a Topologia Do Estado, siga o blog https://crie-inteligenciaempresarial.blogspot.com/

sábado, 15 de janeiro de 2022

Para que servem os cartórios?

2º episódio da série “A falência do modelo de Estado: sem mudar a topologia, nada muda!”


No Brasil existem 13.627 cartórios distribuídos pelos 5.570 municípios brasileiros. Segundo a Lei nº 6.015/1973, deve existir pelo menos uma "unidade de Registro Civil" instalada para a execução dos atos de nascimentos, casamentos e óbitos.

Por quê?

Minha filha nasceu em 1993, no Hospital Beaudelocque-Port Royal, em Paris, quando eu fazia meu doutorado. Onde foi que eu a registrei e obtive sua Certidão de Nascimento? No hospital. Se alguém se casa na França, onde é que vai registrar o casamento? Na Prefeitura. E se morrer, quem fornece a Certidão de óbito? O médico ou a delegacia de polícia. Simples, né? Não precisa de cartório.

Fizemos um estudo na Coppe sobre todos os “serviços prestados” por um cartório (além dos já citados, tem registro de imóveis, reconhecimento de firmas, autenticação de documentos, etc) e a conclusão é muito clara: NÃO PRECISAMOS DE CARTÓRIOS PARA NADA.

Para cada serviço que hoje é prestado por um cartório existe uma outra estrutura capaz de realizar este serviço sem custo adicional para o cidadão. Exemplo? Registro de Imóveis. Para quem pagamos o IPTU? Para a PREFEITURA! Por que a prefeitura não é a responsável por fornecer o registro do imóvel? Todo imóvel se localiza em uma prefeitura, a existência do cartório para realizar este registro é de uma inutilidade flagrante. E assim com todos os outros "serviços" prestados por um cartório.

No seu início, os cartórios foram distribuídos aos “amigos do rei”, seguindo o modelo das Capitanias Hereditárias... Hoje, para ser dono de cartório precisa ser advogado e fazer um concurso, mas mais da metade dos donos de cartório, em 2021, não fez concurso. E são, DE LONGE, a “atividade profissional” mais bem remunerada do Brasil. Segundo estudo feito pelo G1 (veja foto), os Titulares de Cartório faturam mais de R$ 100 mil POR MÊS! Um escândalo de ineficiência. Os profissionais que mais ganham no Brasil são profissionais que simplemente não deveriam existir...



Os cartórios são mais um exemplo da falência do modelo de Estado brasileiro, estruturado para “criar dificuldades e vender facilidades” para seus cidadãos.

O que nos impede de acabar com os cartórios? Nada. Só o lobby dos próprios interessados... A economia de tempo e de dinheiro, para os cidadãos, vai ser enorme e o custo de acabar com eles é nenhum. Não precisamos construir prédios, contratar profissionais, pelo contrário.

Mas nossos candidatos a presidente não falam disto. Os dois principais candidatos já foram (ou são) “chefes” da máquina, e a usaram para beneficiar a si mesmos ou ao seu partido/grupo político. A topologia do Estado brasileiro está montada para prejudicar o cidadão e favorecer ao grupo que está no poder. Não adianta colocar uma pessoa lá sem mudar esta topologia. Esta pessoa vai ficar refém desta estrutura corrupta e viciada.

Sem mudar a topologia, nada mudará de fato.

Este é mais um ponto chave do novo modelo (topologia) de Estado: acabar com os cartórios e com isto reduzir a burocracia que inferniza a vida dos cidadãos (leia na minha linha do tempo o primeiro episódio desta série...) O combate a burocracia, será aliás o tema do nosso próximo episódio sobre a falência do nosso modelo (topologia) de Estado...

Até semana que vem!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

A falência do modelo de Estado: sem mudar a topologia, nada muda!

L’État c’est moi! (Luis XIV, diante dos parlamentares parisienses, em 13 de abril de 1655)


A falência do Estado brasileiro é um fato (e dos outros, mundo afora). Como afirma Everardo Maciel (em seu excelente artigo a Decadência do Estado Brasileiro, link aqui), o poder pessoal, das grandes e pequenas autoridades, “em tudo se assemelha a um absolutismo extemporâneo”. Do guarda da esquina ao juiz do Supremo, passando por deputados, presidentes e governadores, todos se acham Deus, acima das leis. Alguns têm certeza disso...

Os cartórios foram distribuídos seguindo o modelo das Capitanias Hereditárias, que tem mais de quinhentos anos! Nos Poderes Legislativo e Judiciário, os privilégios são escandalosos: aposentadorias precoces e milionárias, recessos, férias prolongadas, feriados e abonos especiais são um tapa na cara dos cidadãos que pagam esta conta.

Como aponta Everardo Maciel, “O orçamento converteu-se em peça anárquica, com fatias vorazmente devoradas pelas “emendas parlamentares”. Tetos de remuneração e de gastos públicos são afrontados por leis casuísticas ou por subterfúgios administrativos. Federalismo fiscal consistente nunca tivemos”.

Em resumo, temos um Estado que cada vez mais se mostra inadequado e centralizado demais para lidar com as demandas e expectativas dos cidadãos, que experimentam no seu dia a dia modelos descentralizados e muito mais eficientes de serviços.

As eleições podem mudar isto?

Diante desta realidade o que propõem os candidatos a presidente?

Nada.

Apresentam seus “planos econômicos”, falam em educação, saúde, emprego, mas nem uma palavra sobre mudar a topologia do Estado: maior participação dos cidadãos no processo legislativo (plebiscitos para acabar com privilégios de deputados, senadores e juízes, por exemplo); fim dos cartórios; fim das “emendas secretas” dos parlamentares; transparência e auditagem pública dos gastos públicos...

A partir de hoje vou publicar toda semana um artigo falando destes temas, trazendo exemplos para ilustrar. Todos podem participar me enviando histórias e sugestões. A ideia é construir de maneira coletiva uma proposta de um novo modelo de Estado para colocar o Brasil no século XXI.

Primeira história

Começamos com uma história que muita gente vai se reconhecer e que me foi passada pela minha mulher. Num grupo de Whatsapp de antigas colegas de escola, uma delas relatou seu drama. Sua carteira de motorista vencia no final de dezembro de 2021. Desde novembro ela telefona para o Detran para agendar um horário em algum posto para renovar a carteira de motorista. Chegamos em janeiro e nada de renovação...

Ela relatou seu problema para várias pessoas até que sua fonoaudióloga disse que tinha um “conhecido” que agendava em três dias, por R$ 95,00... Ela ligou para o tal cara e contou no grupo do Whatsapp, toda feliz, que finalmente tinha conseguido agendar e que podia passar o “contato” para as amigas...





Este singelo exemplo é um retrato do Brasil. Um Estado estruturado para “criar dificuldades e vender facilidades” para seus cidadãos, e cidadãos que se adaptaram a este modelo, contribuindo para sua manutenção.

Até o século passado, estávamos a mercê deste modelo centralizado e corrupto. Hoje, sabemos que não precisa mais ser assim. Uma jovem de 17 anos filmou um policial americano colocando o joelho no pescoço de George Floyd até matá-lo. No mundo do Estado burguês centralizado, típico do século XX, nada aconteceria ao policial. No mundo descentralizado, das redes e mídias sociais, o policial foi julgado e condenado a mais de 22 anos de prisão...

O que nos impede de denunciar o esquema de corrupção do Detran-RJ? Acabar com ele não é difícil, se tivermos um sistema de agendamento pelo site, AUDITÁVEL e com controle público. Não basta “informatizar”, tem que poder ser auditado pelo ministério público e pelos cidadãos. E, tecnicamente, isto pode ser feito sem prejuízo da segurança do sistema.

Mas nossos candidatos a presidente não querem saber disso. Os dois principais candidatos já foram (ou são) “chefes” da máquina, e a usaram para beneficiar a si mesmos ou ao seu partido/grupo político. A topologia do Estado brasileiro está montada para funcionar assim. Não adianta colocar uma pessoa lá sem mudar esta topologia. Esta pessoa vai ficar refém desta estrutura corrupta e viciada.

Sem mudar a topologia, nada mudará de fato.

Este é um ponto chave do novo modelo (topologia) de Estado: sistemas de informação TRANSPARENTES e AUDITÁVEIS por qualquer cidadão. Dá pra fazer e não custa caro.

Mas isto só não basta...

Até a semana que vem, como novas histórias e propostas!