quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O medo de ser livre

 "O medo de amar é o medo de ser livre para o que der e vier
livre para sempre estar onde o justo estiver" (Beto Guedes)

" A maior riqueza do homem é sua incompletude" Manoel de Barros


A maior transformação na minha vida ocorreu, provavelmente, quando eu tinha uns 12 ou 13 anos. Além da transformação no corpo (barba começando a nascer, primeira ejaculação...) eu comecei a perceber que não tinha mais ninguém pra me salvar. Eu tinha que contar comigo mesmo para resolver meus problemas. 

Foi assustador. O aconchego do lar, da família, dos colegas do colégio, a crença em Deus (eu estudei num colégio católico) eram um manto protetor que me defendia dos monstros lá de fora. 

Ao mesmo tempo, e eu demorei a perceber isto, foi libertador. Se era eu que tinha que resolver meus problemas e lamber minhas feridas eu tinha que investir pesado em mim mesmo, estudar, conhecer as coisas e a mim mesmo, ser alguém melhor a cada dia...

Todas estas reminiscências me vieram a cabeça agora que estou pronto para partir para uma nova aventura na minha vida, num país que conheço pouco, estudando assuntos novos, tentando mais uma vez me reinventar. E que comecei a ler um livro instigante: A sociedade aberta e seus inimigos, de Karl Popper. 

Popper foi membro do partido comunista austríaco (eu também fui membro de uma organização de esquerda) e saiu do partido logo que percebeu que a intolerância e o totalitarismo não eram do "partido" ou das pessoas do partido, mas da ideologia que eles defendiam. E ele, que já era um dos maiores cientistas do século XX, passou a questionar duramente a intolerância, dando bases científicas à sua crítica.

Para ele " qualquer ideia de utopia é fechada. Sufoca todos que não compartilham desta utopia. A simples ideia de um modelo para a sociedade que não seja aberto e incompleto nos leva para o totalitarismo". 


O Brasil está vivendo um momento doloroso de transição para a sociedade do conhecimento imerso em uma polarização entre dois polos totalitários. Famílias e amigos brigaram e se separaram por causa da política. O que pouca gente se dá conta é que nada disto é novo. Durante a segunda metade do século XX muitos intelectuais como Popper e o escritor francês Albert Camus romperam com os partidos comunista e de esquerda por reconhecerem nesta ideologia o DNA do totalitarismo. Não se tratava de um desvio de algumas pessoas, mas de uma visão de mundo fechada, que não tolera o incompleto, a dúvida, o questionamento. 




Da mesma forma que os seguidores fanáticos do atual presidente, os seguidores do ex-presidente baniram da sua vida quem pensa diferente deles. Ambos têm medo de serem livres. Só as pessoas realmente livres não seguem nenhum guru nem ideologias. Pensam com suas próprias cabeças. 

Claro que isto é assustador e doloroso. Eu vivi isto na minha pré-adolescência. É muito mais confortável ficar protegido pelo manto da família, do partido ou da igreja. Achamos que as certezas trazidas por esta militância nos dá paz e aceitação quando, na realidade, nos traz a paz do cemitério, da vida não vivida, da negação de quem realmente somos. Esquecemos do que nos ensinou Oscar Wilde: "Seja você mesmo, todos os outros já existem"...

Aos que ainda ficam repetindo mantras religiosos ("lula livre", "bolsonaro for ever"...) eu diria: ousem ser livres! Só assim vocês realmente estarão "onde o justo estiver". Quem tem medo de ser livre vai ser sempre uma vaquinha de presépio, dizendo amém para seus gurus.

O futuro do presente não é o passado. A crise que vivemos é a crise que precede o novo, o futuro. Esta divisão entre "esquerda" e "direita" é o passado. Já estamos vivendo num mundo onde estes conceitos não dão conta de explicar a complexidade e a realidade. A ciência já sabe que os momentos mais interessantes para o progresso da humanidade são exatamente estes momentos onde o velho que resiste convive com o novo que emerge. E é nestas horas que mostramos quem realmente somos: pessoas livres ou pessoas presas ao passado e/ou ao dogmatismo. 

A escolha é sua. Eu já fiz a minha. 



sexta-feira, 12 de julho de 2019

Por uma estratégia nacional de IA (inteligência artificial)

"Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou...

Todos os dias
Antes de dormir
Lembro e esqueço
Como foi o dia
Sempre em frente
Não temos tempo a perder" (Tempo perdido - Legião Urbana)


A rede Mc Donalds, só no Brasil, emprega o mesmo número de pessoas que a Shell, no mundo todo. Dentre as várias razões para isto, vale entender uma questão fundamental: não somos mais uma sociedade industrial. Somos uma sociedade de serviços, com uso intensivo de conhecimento: no Brasil, 70% do trabalho está no setor de serviços, contra 20% na indústria e 10% na agricultura. Isto significa que toda aquela propaganda na TV (agro é pop, agro é tudo...) é falsa. Serviço é que é "pop"...

As coisas estão mudando ainda mais. No século XX vivemos duas transformações importantes. Na primeira metade tivemos a automatização da agricultura e o fenômeno de urbanização: milhões de pessoas deixaram o campo para tentar viver e trabalhar nas cidades. E na segunda metade do século assistimos a automatização das indústrias e o crescimento do desemprego.


E agora, no século XXI? Quais são os nossos desafios? Os sinais são claros: depois da automatização do campo e da indústria, chegou a vez dos serviços.

De fato, a digitalização da economia e o uso intensivo da IA (inteligência artificial) está provocando a automatização de serviços que até hoje empregam grande número de trabalhadores: construção civil,  comércio (supermercados, mc donalds...) e serviços de tele atendimento.

Podemos assistir estas transformações no camarote, deixando o mercado decidir o que fazer. O resultado provável desta política será um grande desemprego e uma enorme tensão social.

Os principais países do mundo estão adotando outra estratégia: estão se preparando para surfar esta nova onda ao invés de serem engolidos por ela.

Mais de 20 países, dentre os quais os EUA, França, Canadá, Alemanha, Comunidade Europeia, Japão, China e Rússia definiram uma "estratégia nacional de IA".

Estas estratégias procuram lidar com os desafios trazidos pela digitalização e adoção em larga escala de IA de uma forma sistêmica, atacando em várias frentes ao mesmo tempo, de forma articulada.

Um consenso em todos os planos é a ênfase em formar pesquisadores e profissionais de alto nível em IA, mas isto é insuficiente. Precisamos nos preparar em outras áreas. 

Os franceses, por exemplo, definiram um programa para tornar a IA popular. A ideia é que todos os profissionais (médicos, advogados, engenheiros, micro empreendedores) precisam ter noções básicas de IA para serem competitivos e bons profissionais no século XXI.

Os japoneses estabeleceram cinco frentes de trabalho em seu programa nacional:
1) reforma educacional - para preparar as novas gerações para viver neste novo mundo
2) pesquisa e desenvolvimento - para não ficarem para trás nestas novas tecnologias
3) aplicações práticas de IA - para trazerem a IA para o dia a dia de todos os cidadãos (saúde, mobilidade, agricultura, energia, novos negócios)
4) "trust data" - como assegurar que os dados sejam confiáveis e utilizáveis por todos
5) IA ética e centrada no humano - como garantir que a tecnologia seja usada de forma a garantir a privacidade,  segurança, inovação e o bem estar de todos

Para mim está claro que esta não é apenas uma discussão sobre uma nova tecnologia, mas de uma revolução econômica, política e social. Precisamos criar um novo pacto social (renda mínima universal) e encontrar novos caminhos para a geração e o uso do conhecimento de forma que esta revolução seja mais inclusiva e benéfica para todos e não apenas para alguns.

Não será fácil nem de uma hora para outra, mas precisamos começar já.

Não temos tempo a perder...

sábado, 20 de abril de 2019

Tempo de travessia

"Não é a dúvida, mas a certeza que enlouquece" (“Ecce homo”, Friedrich Nietzsche)

Aprendi cedo duas coisas:
  1. que na vida tem hora pra tudo: hora de plantar e hora de colher; hora de falar e hora de ouvir; tempo para demolir e tempo de construir...
  2. sempre é tempo de duvidar, de questionar nossas próprias ideias. 
Meu avô me dizia que na vida a gente raramente acerta, mas em todas as outras ocasiões a gente aprende... Na verdade, a vida também me ensinou que só aprende quem está aberto para isto. Muitos preferem ficar presos às suas certezas e quem "se tem certeza" não aprende...

Acho que chegou a hora de virar a página de um tempo de certezas, do “nós contra eles” e da busca de salvadores da pátria. A hora é de construir: o novo, o futuro, o Brasil do século XXI. Só conseguiremos trilhar este caminho com desapego das velhas ideias e das pessoas que insistirão em tentar fazer reviver os velhos fantasmas do passado.



Porque, como diria o poeta, “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia”...
Bora?