sexta-feira, 14 de junho de 2024

O futuro do Brasil depende do futuro da Educação

"Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância." (Sócrates)

Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) o conhecimento gerou, em 2020, cerca de 65% da riqueza mundial. Deixamos de viver, no século XXI na sociedade industrial. Vivemos na sociedade do conhecimento. Cerca de 2.500 anos atrás Sócrates já havia compreendido que o maior bem de uma pessoa e de um país é o seu conhecimento...

Estas afirmações têm consequências práticas. Por exemplo, entender que vivemos na Soceidade do Conhecimento implica reconhecer que a competição global hoje está fortemente baseada na capacidade das pessoas, empresas e países de produzir e gerar conhecimento e inovação em larga escala. Significa também reconhecer que o Brasil precisa dar uma guinada no seu modelo de desenvolvimento para colocar a produção e difusão do conhecimento no centro de seu processo produtivo e que, para isto, precisa colocar a Educação no centro de qualquer modelo de desenvolvimento. 

O futuro do Brasil está umbilicalmente ligado ao que fizermos com a Educação: o futuro do Brasil depende do futuro da Educação.
 
E não faremos isto se não atacarmos, ao mesmo tempo, a nossa brutal desigualdade econômica e social. Não existe desenvolvimento possível sem uma redução da desigualdade e isto não vai acontecer sem que a Educação esteja no centro de nossas preocupações e ações. De novo, não existirá um futuro sem educação de qualidade para todos.
 
Mas... qual educação?
 
Certamente não a que praticamos no século XX.
 
Como nos lembra Silvio Meira, ex-professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e presidente do conselho do PortoDigital, no Recife, “a educação terá componentes digital e social cada vez mais significativos. Será uma oportunidade para todos os agentes que trabalham com a educação esta transição do espaço físico para o figital (físico e digital) e esta será possivelmente a ruptura mais radical na educação desde a prensa de tipos móveis”.
 
De fato, o papel primordial da escola, no século XXI, deixou de ser apenas a preparação da(o) aluna(o) para o mercado de trabalho e passou a centrar-se na capacitação do indivíduo autônomo e consciente de suas responsabilidades.
 
Educação na Sociedade do Conhecimento
 
Desde Adam Smith[1] que diferentes correntes do pensamento econômico concordam que os fatores básicos de produção são terra, capital, trabalho, matéria-prima e energia. Esta classificação teve um profundo impacto no processo de desenvolvimento da sociedade e marcou o pensamento de gerações de economistas.
 
Mas esta visão não corresponde mais a realidade. Relatório da OCDE aponta que, em 2020, cerca de 65% da riqueza mundial foi gerada pelo conhecimento[2]. Pela primeira vez o conhecimento supera os fatores tradicionais de produção no processo de criação de riqueza. 
 
Na verdade, a economia do conhecimento desloca o eixo da riqueza e do desenvolvimento de setores industriais tradicionais – intensivos em mão-de-obra, matéria-prima e capital - para setores cujos produtos, processos e serviços são intensivos em tecnologia e conhecimento. Mesmo em setores mais tradicionais, como a agricultura, a indústria de bens de consumo e de capital, a competição é cada vez mais baseada na capacidade de transformar informação em conhecimento e conhecimento em decisões e valor para os clientes e a sociedade. O valor dos produtos e serviços depende, assim, cada vez mais, do percentual de inovação, tecnologia e inteligência a eles incorporados[3]. O conhecimento parece ser, portanto, o novo motor da economia.




Mais conhecimento e menos desigualdade

Crescer com mais conhecimento e menos desigualdade significa dar Educação de qualidade para todos os cidadãos. A prioridade absoluta de um projeto de futuro para o Brasil deve ser o combate à desigualdade e uma Educação Universal de qualidade. Num mundo onde o processo de criação de riqueza passa, principalmente, pelo conhecimento, seria um equívoco não nos preocuparmos com a redução da brutal desigualdade no acesso e uso do conhecimento. E seria um equívoco ainda maior acharmos que uma coisa pode ser resolvida sem a outra.

Precisamos de uma Educação que seja uma alavanca para termos cidadãos e cidadãs críticos e responsáveis, capazes de construir uma sociedade menos desigual e mais justa.

Certamente este tema é multi e interdisciplinar. Seria um equívoco achar que a Educação para o Futuro seja um tema para educadores apenas. A Educação é um problema complexo, que envolve várias dimensões e que para ser devidamente enfrentado precisa da colaboração de diversos especialistas, de diferentes áreas como sociologia, psicologia, tecnologia, economia, dentre outros. Problemas complexos não se resolvem e não devem ser abordados com enfoques únicos, com discursos prontos, mas com diversidade e multiplicidade de abordagens, capazes de darem conta dos diversos aspectos do problema.

Nesta série de artigos que publicaremos sobre o tema, vamos explorar esta diversidade de nefoques para construir um projeto de educação para o século XXI.
 
No Brasil de hoje temos um grande consenso sobre a necessidade de fazermos o país crescer. 

Mas crescer, como? 

A nossa reposta é clara: Com mais educação e menos desigualdade.

Você pode participar desta discussão. Envie um email para marcos@crie.ufrj.br e nos siga nas mídias digitais e no nosso site: http://www.crie.ufrj.br/




[1] Adam Smith. A Riqueza das Nações, cuja primeira edição foi em 1776.
[2] OECD economic outlook. OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Paris,2020. https://doi.org/10.1787/bb167041-en
[3] Cavalcanti, Gomes e Pereira Neto, A Gestão de empresas na sociedade do conhecimento, Editora Campus, 2001.


quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Inovadores (e cientistas): estes fora da lei...

Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra, disse:
Vai, Carlos, ser gauche na vida

(poema das setes faces - Carlos Drummond de Andrade)

 

Quando era garoto eu era meio do contra: gostava muito de ler, ganhava medalha por bom comportamento no colégio, escrevia para o jornal do grêmio mas, ao mesmo tempo, gostava de jogar bola (era bom nisso) e pegar jacaré na praia. Em geral, quem era meio intelectual menosprezava os esportes e vice versa... 

Fomos educados para seguir as leis, as normas e se adequar aos padrões. Quando resolvi ser cientista não foi para repetir o que os outros faziam, mas para descobrir coisas novas, fora das normas e dos padrões. Acho que esta é a essência de um inovador e de um cientista: ultrapassar a fronteira do conhecimento, caminhar por onde ninguém caminhou antes.

Neste sentido, todo inovador e cientista é um "fora da lei". Estas pessoas estão explorando mares nunca dantes navegados, onde ainda não existem leis.  

"Por mares nunca de antes navegados 
Passaram ainda além da Taprobana*..."
(Os Lusíadas, Luis de Camões)

Como os navegadores dos anos 1500, os cientistas e inovadores se arriscam para encontrarem Taprobanas*, explicações para os dilemas e problemas da humanidade. Os que não fazem isto, e não se arriscam, não deveriam se chamar inovadores (ou cientistas). Eles e elas são os/as fora da lei do bem...

Infelizmente boa parte das pessoas que se auto intitulam como inovadores ou cientistas na verdade só fazem chover no molhado. Temos um ambiente que desestimula os inovadores (e cientistas). Estas pessoas precisam enfrentar uma burocracia sem sentido, feita para grandes empresas, enquanto os cientistas estão fissurados para escrever artigos repetitivos, mas de agrado dos que pensam como eles. Precisamos romper isto. Criar um ambiente que estimule os inovadores e os cientistas a desbravarem estes mares inexplorados, com os riscos inerentes a esta empreitada. 

Caríssim@s colegas, sigamos o conselho do poeta português Fernando Teixeira de Andrade:

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmo.

Ousemos fazer a travessia do desconhecido. Vamos abandonar esta fissura em publicar papers que ninguém lê e encontrar outras métricas para aferir a produtividade das pessoas. Se não fizermos isto, corremos sério risco de deixarmos de ser necessários para a humanidade. 

Simples assim.


PS: Taprobana ficou famosa por ter sido utizada por Camões na primeira estrofe de “Os Lusíadas”. Na época era um lugar mitico, quase desconhecido, e que simbolizava a coragem e empreendedorismo dos que se arriscavam a ir até lá. Na verdade é o nome antigo do Sri Lanka, um país-ilha ao sul da Índia que foi colônia portuguêsa por 150 anos.