terça-feira, 28 de junho de 2016

A Islândia e a democracia direta: sonho ou realidade?

"A topologia da rede determina o que ela pode ou não fazer" 

É impossível para um ser humano de 2 meses de idade sair caminhando. Sua estrutura óssea e muscular e a sua ainda insuficiente quantidade de sinapses no cérebro não o permitem andar. A sua complexa rede biológica ainda não está suficientemente amadurecida e ainda tem poucas conexões. Só quando sua rede se tornar mais densa e emaranhada ele conseguirá andar.



O mundo assiste encantado a seleção da pequena Islândia vencer a poderosa Inglaterra e passar para as quartas de final da Copa da Europa de futebol diante de milhares de torcedores ensandecidos. O que pouca gente sabe é que este minúsculo país que fica perto da Groenlândia e tem um pouco mais de 300 mil habitantes é o primeiro do mundo que tem uma Constituição feita de forma totalmente colaborativa, pela Internet!

Em 2008 o país viveu uma grave crise econômica e política que resultou no que ficou conhecido como a "Revolução das Panelas e Frigideiras": Mais de 150 mil pessoas (metade do país!) saíram às ruas batendo panelas e foram para a frente do parlamento exigindo uma renúncia coletiva de todos os políticos e mudanças na economia. 

Criou-se então uma "Comissão Constitucional", atendendo demanda da população com a responsabilidade de elaborar uma proposta de nova Constituição. Segundo Eirikur Bergmann, um dos 25 cidadãos eleitos para fazer parte desta comissão, "Poderíamos ter entrado nas reuniões, desligado nossos smartphones e só saído de lá quando terminássemos. Mas resolvemos fazer exatamente o oposto: criamos uma página no Facebook, Twitter, um site e todas estas coisas para apoiar a ideia de uma constituição colaborativa". Além de ler os comentários nas redes sociais, eles publicavam tudo o que escreviam, mesmo se não estivesse completo ainda. As pessoas opinavam e a comissão revisava e melhorava o texto constantemente.

O processo demorou três anos e ao final os políticos queriam aprovar a proposta numa sessão do parlamento, mas a população se revoltou novamente e exigiu um plebiscito para decidir os pontos de divergência no texto. O governo se rendeu a pressão popular e em outubro de 2012 a Constituição da Islândia foi aprovada numa consulta direta aos cidadãos. 

Vale lembrar um aspecto fundamental para o sucesso deste empreendimento: 95% dos islandeses estão conectados a internet. É uma das mais altas taxas de penetração no mundo.

Mas nem tudo são flores... Os islandeses viveram esta experiência da democracia direta, mas mantiveram o Parlamento tal como ele existe há centenas de anos. E o resultado é que os políticos retomaram as rédeas do processo, voltaram aos conchavos de gabinete habituais e revogaram algumas dos itens do texto aprovado por mais de dois terços da população no referendum (veja este link para mais detalhes)...

Segundo Bergmann, que além de membro da Comissão Constitucional é professor na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Bifröst, "Muitas dessas experiências fracassam porque os políticos não querem dividir o poder. É preciso dar um passo além dos protestos e utilizar as redes sociais para aumentar a democracia nos governos".

Na verdade, o que a experiência da Islândia nos mostra é o que o cientista Albert-Lázsló Barabási, um dos pais da chamada Ciência das Redes, já demonstrou: a topologia da rede determina o que ela pode ou não fazer. Uma estrutura e um processo democrático hierárquico e viciado como o que temos hoje é incapaz de gerar uma constituição e um modelo de gestão descentralizado e em rede, que as sociedade necessitam, em seu estágio de desenvolvimento atual, para existir e sobreviver. Vamos precisar construir novas estruturas de poder, mais descentralizadas, para poder dar conta da complexidade e diversidade da sociedade. 

Este é o grande desafio que temos nesta aurora do século XXI: encontrar novas formas e processos para viabilizar a democracia direta, onde cada cidadão seja o representante de si próprio, sem intermediários... Parece longe e utópico, mas é uma absoluta necessidade para avançarmos neste novo milênio, afinal como diria o grande Raul Seixas "sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só; sonho que se sonha junto é realidade".

Vamos sonhar juntos, em rede!




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