segunda-feira, 25 de junho de 2018

As certezas, os gurus e a loucura

"O que nos enlouquece não são as dúvidas, mas as certezas"... 
(Luiz Alberto Py - psicanalista)

"A maior riqueza do homem é sua incompletude" 
(Manoel de Barros - poeta)


Tenho uma péssima lembrança da minha primeira professora no colégio, Dona Marlene. Eu sou canhoto e era muito tímido e ela me fazia ir ao quadro, quase todos os dias, me obrigando a escrever com a mão direita, na frente de todo mundo. Era um desastre... 

Mas eu não me dobrei. Continuei escrevendo com a mão esquerda e desde então fiz um pacto comigo mesmo de nunca ser o que os outros queriam que eu fosse. Eu procuraria ser eu mesmo, ainda que isto me colocasse contra a maioria. 

Se por um lado isto sempre me ajudou a ter auto confiança, por outro me fez sempre achar que eu estava "incompleto", afinal se todos conseguiam escrever com a mão direita eu também deveria conseguir... Bem mais tarde é que eu fui perceber que, como diria o poeta, a nossa maior riqueza é nossa incompletude...

Quando nos achamos "completos" nos acomodamos, ficamos cheios de certezas, nos tornamos arrogantes e paramos de aprender. E a falta de curiosidade sobre a vida é a morte de um ser humano. 




Não admira, portanto, que um dos temas mais bem estudados pela psicanálise seja de como as certezas privam as pessoas de sua lucidez. Ao acreditarem cegamente em suas verdades, as pessoas se fecham para o outro, para as outras visões de mundo e se desconectam perigosamente da realidade. Como nos lembra o psicanalista Luiz Alberto Py, 
"Penso que sempre vale a pena valorizar o conhecimento dos fatos reais e entender a diferença entre uma constatação da realidade e uma mera opinião. É importante perceber com clareza a existência das armadilhas emocionais que, na nossa ambiciosa busca de certezas, nos levam a acreditar em ilusões como se fossem verdades inquestionáveis. Somente assim se torna possível evoluir na procura do conhecimento e também no aprimoramento da saúde mental".
Algumas pessoas não compreendem como muitos intelectuais persistem numa defesa cega de um ex-presidente da república condenado por corrupção. Muitas são as causas e os motivos desta idolatria, mas acredito que uma das razões principais é uma visão de mundo onde a dúvida é vista como sinal de fraqueza e as pessoas são julgadas pelo sua filiação à causa: se é do nosso partido é uma pessoa "perfeita", do bem, se não é do nosso grupo é uma pessoa do mal... Esta visão binária da mundo, que divide o mundo entre nós e eles, entre direita e esquerda é um dos principais entraves para o Brasil avançar rumo ao séulo XXI. Precisamos superá-la e uma das formas de se fazer isto (e cuidar da sua saúde mental) é se abrir para dúvida, para o outro.

Tempo de travessia


Parafraseando o poeta português Fernando Teixeira de Andrade, diria que vivemos um tempo em que precisamos abandonar nossas velhas certezas e nossas roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer aqueles caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos e a um passo da loucura.

Afinal, o que nos enlouquece não são as dúvidas, mas as certezas...

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