sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

O paradoxo da tolerância

 

"If we are not prepared to defend a tolerant society against the onslaught of the intolerant, then the tolerant will be destroyed, and tolerance with them"

("Se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância com eles").  

Karl Raimund Popper, The Open Society and Its Enemies


BASTA! 

O grito ecoou no dormitório onde duas dezenas de adolescentes faziam uma guerra de travesseiros... Tínhamos 15 anos e fazíamos uma viagem do colégio ao Caraça-MG. Era a terceira vez que o Padre Almeida vinha nos pedir para nos acalmar. Nas outras vezes ele tentou argumentar: "vocês estão num seminário de Padres, eles estão dormindo, amanhã precisamos acordar cedo para seguir viagem...". Tudo com uma voz doce e calma. Não adiantou. Era só ele virar as costas e sair do dormitório para a batalha recomeçar. Nesta terceira aparição do Pe. Almeida o tom de voz era outro e ele deixou claro que se continuássemos voltaríamos para o Rio. Resolvemos ir dormir...

Este é o paradoxo do tolerância. Como nos lembra Popper:

A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. 

Fomos intolerantes e nenhum argumento racional nos fez mudar de ideia. O Pe. Almeida precisou ser firme contra os intolerantes...


Esta semana o Twitter, depois de repetidos avisos e alertas, baniu o presidente dos Estados Unidos. E alguns logo falaram que era censura.

Será?




Vamos seguir com Popper:

"Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes. Se podemos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente. Mas devemos-nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força. Porque pode ser que eles não estejam preparados para nos encontrar nos níveis dos argumentos racionais, que não estejam dispostos a debater e que proibam seus seguidores de ouvir argumentos racionais. Porque os intolerantes são enganadores, e preferem ensinar as pessoas a responder aos argumentos com punhos ou pistolas. Devemos-nos, então, reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos exigir que qualquer movimento que pregue a intolerância fique fora da lei e que qualquer incitação à intolerância e perseguição seja considerada criminosa, da mesma forma que no caso de incitação ao homicídio, sequestro ou tráfico de escravos".

Quando os intolerantes resolvem responder com "punhos ou pistolas", chutando santas, invadindo e destruindo o congresso ou terreiros de candomblé, matando vereadoras, impedindo Cristovão Buarque de falar num Congresso da SBPC ou cancelando pessoas porque elas pensam diferente não podemos ser tolerantes. 

Não podemos ser tolerantes com os intolerantes, sejam eles de direita ou de esquerda. A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. 

Hitler e Stalin estão aí para comprovar isto. 

Temos que ser capazes, como o Pe. Almeida e a Mafalda, de dizer:

BASTA!




Um comentário:

  1. Gostaria de acrescentar, ao ótimo texto do Prof. Marcos Cavalcanti, a seguinte sugestão:

    Há também de se levar em consideração --- na análise de atos e discursos claramente promotores da intolerância --- a existência, ou não, de um movimento orquestrado com o propósito explícito de *desinformar*.

    Os alertas contra as manifestações de intolerância precisam soar ainda mais alto sempre que se perceber uma clara intenção do "autor" (ou daqueles que estão por trás dele, ou que se beneficiam com a exarcebação do conflito) de *manipular* um público-alvo qualquer.

    Precisamos ter muito cuidado com as falsas equivalências:

    É claro que todo ato de intolerância é lastimável... mas nem todos são fruto de uma estratégia consciente de se explorar os ressentimentos e os conflitos existentes para o benefício de algumas poucas criaturas para lá de inescrupulosas.

    ResponderExcluir