sexta-feira, 8 de agosto de 2025

A inteligência artificial existe?

  "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade"  

(Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista)


A resposta a esta pergunta é muitio simples: a "inteligência artificial' é uma grande jogada de marketing. Ela não existe. O que chamamos de inteligência artificial é um grande guarda chuva para falar de várias tecnologias: sistemas de apoio a decisão, tradução de linguagem natural, reconhecimento de padrões, deep learning, recomendação personalisada, agentes inteligentes...



A criação deste nome ajudou os pesquisadores a receber dinheiro das instituições de fomento durante décadas (em particular na última). Falar em IA (Inteligência Artificial) virou Hype: um termo que Emily Bender define como o "engrandecimento de alguma pessoa, artefato, tecnologia ou técnica que você, o consumidor, absolutamente precisa comprar ou investir o mais rápido possível"... 

Agrupando todas essas tecnologias sob o rótulo de IA cria-se a ilusão de uma tecnologia "inteligente“. Se uma tecnologia melhora sua foto e outra traduz um texto, chamá-las todas de IA dá a ilusão que tudo é feito pela mesma “inteligência”, um "ser superior" quase um Deus, capaz de fazer mais do que um simples mortal como nós pode fazer. 

Portanto, falar em Inteligência Artificial é colocar num mesmo saco diferentes competências e tecnologias. Não faz sentido, a não ser como um jogada de marketing, para vender mais caro o que temos para oferecer. Uma ideia que não é nova, e o ministro de propaganda nazista cansou de fazer...

Mas nem tudo é vento...

Como veremos no próximo texto, a Inteligência Artificial é uma realidade incontornáve no século XXI. E o inverno da IA acabou no início da década de 2010. 

Em dezembro de 2012, numa conferência (Neural Information Processing Systems), Geoff Hinton e seus alunos Alex Krizhevsky e Ilya Sutskever publicaram um paper mostrando seus avanços em Deep Learning e criaram uma empresa chamada DNNresearch.

 


A DNNresearch foi uma startup focada em redes neurais, nas áreas de reconhecimento de fala e imagem. Os resultados práticos foram impressionantes e o Google adquiriu a DNNresearch em 2013 por $ 44 milhões. Na verdade, o que fez este trabalho ter tanta repercussão foi que, pela primeira vez, eles tiveram acesso a uma bse de dados gigantesca e a uma rede de computadores de alto processamento. 

O funcionamento do algoritmo eu vou explicar num próximo post, mas a partir deste investimento do Google e dos resultados obtidos nos dez anos que se seguiram a publicação deste paper, aconteceu um grande boom da Inteligência Artificial e o inverno dos investimentos acabou. 

Na liderança deste processo estava este garoto de óculos na foto: Ilya Sutskever. Ele foi um dos fundadores da Open AI... Mas esta história eu conto no próximo post...

A seguir



PS: Aconselho fortemente a todos lerem o livro de Emily Bender: The AI CON

Inteligência Artificial Generativa ou Degenerativa?

Meu pós doutorado na Columbia University tem sido extremamente produtivo. E para contar tudo o que aprendi começo hoje uma série de artigos falando sobre Inteligência Artificial. Não é um assunto novo. A primeira vez que alguém falou nisto foi em 1956, numa conferência em Dartmouth (EUA), que reuniu duas dezenas de cientistas liderados por John MacCarthy e Marvin Minsky. Durante o encontro, discutiram como criar uma nova área de pesquisa e MacCarthy achou que este nome ia ajudá-los a conseguir dinheiro... Vale lembrar que os primeiros computadores, com válvulas eletrônicas tinham acabado de surgir.

Nos trinta anos seguintes, até a década de 90 a área progrediu lentamente, com mais promessas que resultados. Pessoalmente, trabalho com isto deste a década de 90, quando fiz um doutorado na França e minha tese foi o desenvolvimento de um Sistema de Apoio a Decisão dos controladores aéreos do Aeroporto de Orly, usando ferramentas de IA e linguagens como PROLOG e LISP.

Dos anos 90 até 2010 a IA viveu um período de inverno, sem dinheiro e sem nenhum resultado significativo.


Conteúdo do artigo
Investimento em Inteligência Artificial (1950 - 2024)

O inverno acabou nos anos 2010, quando uma determinada abordagem de reconhecimento de padrões, chamada de aprendizagem profunda (“deep learning”) começou a ter resultados práticos…

Mas isto é assunto para o nosso segundo artigo...

Até lá!

PS: Você deve estar se perguntando por quê o título de IA Degenerativa. Fique ligado nesta séria de artigos e você entenderá o motivo. ;-)

sexta-feira, 14 de junho de 2024

O futuro do Brasil depende do futuro da Educação

"Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância." (Sócrates)

Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) o conhecimento gerou, em 2020, cerca de 65% da riqueza mundial. Deixamos de viver, no século XXI na sociedade industrial. Vivemos na sociedade do conhecimento. Cerca de 2.500 anos atrás Sócrates já havia compreendido que o maior bem de uma pessoa e de um país é o seu conhecimento...

Estas afirmações têm consequências práticas. Por exemplo, entender que vivemos na Soceidade do Conhecimento implica reconhecer que a competição global hoje está fortemente baseada na capacidade das pessoas, empresas e países de produzir e gerar conhecimento e inovação em larga escala. Significa também reconhecer que o Brasil precisa dar uma guinada no seu modelo de desenvolvimento para colocar a produção e difusão do conhecimento no centro de seu processo produtivo e que, para isto, precisa colocar a Educação no centro de qualquer modelo de desenvolvimento. 

O futuro do Brasil está umbilicalmente ligado ao que fizermos com a Educação: o futuro do Brasil depende do futuro da Educação.
 
E não faremos isto se não atacarmos, ao mesmo tempo, a nossa brutal desigualdade econômica e social. Não existe desenvolvimento possível sem uma redução da desigualdade e isto não vai acontecer sem que a Educação esteja no centro de nossas preocupações e ações. De novo, não existirá um futuro sem educação de qualidade para todos.
 
Mas... qual educação?
 
Certamente não a que praticamos no século XX.
 
Como nos lembra Silvio Meira, ex-professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e presidente do conselho do PortoDigital, no Recife, “a educação terá componentes digital e social cada vez mais significativos. Será uma oportunidade para todos os agentes que trabalham com a educação esta transição do espaço físico para o figital (físico e digital) e esta será possivelmente a ruptura mais radical na educação desde a prensa de tipos móveis”.
 
De fato, o papel primordial da escola, no século XXI, deixou de ser apenas a preparação da(o) aluna(o) para o mercado de trabalho e passou a centrar-se na capacitação do indivíduo autônomo e consciente de suas responsabilidades.
 
Educação na Sociedade do Conhecimento
 
Desde Adam Smith[1] que diferentes correntes do pensamento econômico concordam que os fatores básicos de produção são terra, capital, trabalho, matéria-prima e energia. Esta classificação teve um profundo impacto no processo de desenvolvimento da sociedade e marcou o pensamento de gerações de economistas.
 
Mas esta visão não corresponde mais a realidade. Relatório da OCDE aponta que, em 2020, cerca de 65% da riqueza mundial foi gerada pelo conhecimento[2]. Pela primeira vez o conhecimento supera os fatores tradicionais de produção no processo de criação de riqueza. 
 
Na verdade, a economia do conhecimento desloca o eixo da riqueza e do desenvolvimento de setores industriais tradicionais – intensivos em mão-de-obra, matéria-prima e capital - para setores cujos produtos, processos e serviços são intensivos em tecnologia e conhecimento. Mesmo em setores mais tradicionais, como a agricultura, a indústria de bens de consumo e de capital, a competição é cada vez mais baseada na capacidade de transformar informação em conhecimento e conhecimento em decisões e valor para os clientes e a sociedade. O valor dos produtos e serviços depende, assim, cada vez mais, do percentual de inovação, tecnologia e inteligência a eles incorporados[3]. O conhecimento parece ser, portanto, o novo motor da economia.




Mais conhecimento e menos desigualdade

Crescer com mais conhecimento e menos desigualdade significa dar Educação de qualidade para todos os cidadãos. A prioridade absoluta de um projeto de futuro para o Brasil deve ser o combate à desigualdade e uma Educação Universal de qualidade. Num mundo onde o processo de criação de riqueza passa, principalmente, pelo conhecimento, seria um equívoco não nos preocuparmos com a redução da brutal desigualdade no acesso e uso do conhecimento. E seria um equívoco ainda maior acharmos que uma coisa pode ser resolvida sem a outra.

Precisamos de uma Educação que seja uma alavanca para termos cidadãos e cidadãs críticos e responsáveis, capazes de construir uma sociedade menos desigual e mais justa.

Certamente este tema é multi e interdisciplinar. Seria um equívoco achar que a Educação para o Futuro seja um tema para educadores apenas. A Educação é um problema complexo, que envolve várias dimensões e que para ser devidamente enfrentado precisa da colaboração de diversos especialistas, de diferentes áreas como sociologia, psicologia, tecnologia, economia, dentre outros. Problemas complexos não se resolvem e não devem ser abordados com enfoques únicos, com discursos prontos, mas com diversidade e multiplicidade de abordagens, capazes de darem conta dos diversos aspectos do problema.

Nesta série de artigos que publicaremos sobre o tema, vamos explorar esta diversidade de nefoques para construir um projeto de educação para o século XXI.
 
No Brasil de hoje temos um grande consenso sobre a necessidade de fazermos o país crescer. 

Mas crescer, como? 

A nossa reposta é clara: Com mais educação e menos desigualdade.

Você pode participar desta discussão. Envie um email para marcos@crie.ufrj.br e nos siga nas mídias digitais e no nosso site: http://www.crie.ufrj.br/




[1] Adam Smith. A Riqueza das Nações, cuja primeira edição foi em 1776.
[2] OECD economic outlook. OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Paris,2020. https://doi.org/10.1787/bb167041-en
[3] Cavalcanti, Gomes e Pereira Neto, A Gestão de empresas na sociedade do conhecimento, Editora Campus, 2001.


quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Inovadores (e cientistas): estes fora da lei...

Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra, disse:
Vai, Carlos, ser gauche na vida

(poema das setes faces - Carlos Drummond de Andrade)

 

Quando era garoto eu era meio do contra: gostava muito de ler, ganhava medalha por bom comportamento no colégio, escrevia para o jornal do grêmio mas, ao mesmo tempo, gostava de jogar bola (era bom nisso) e pegar jacaré na praia. Em geral, quem era meio intelectual menosprezava os esportes e vice versa... 

Fomos educados para seguir as leis, as normas e se adequar aos padrões. Quando resolvi ser cientista não foi para repetir o que os outros faziam, mas para descobrir coisas novas, fora das normas e dos padrões. Acho que esta é a essência de um inovador e de um cientista: ultrapassar a fronteira do conhecimento, caminhar por onde ninguém caminhou antes.

Neste sentido, todo inovador e cientista é um "fora da lei". Estas pessoas estão explorando mares nunca dantes navegados, onde ainda não existem leis.  

"Por mares nunca de antes navegados 
Passaram ainda além da Taprobana*..."
(Os Lusíadas, Luis de Camões)

Como os navegadores dos anos 1500, os cientistas e inovadores se arriscam para encontrarem Taprobanas*, explicações para os dilemas e problemas da humanidade. Os que não fazem isto, e não se arriscam, não deveriam se chamar inovadores (ou cientistas). Eles e elas são os/as fora da lei do bem...

Infelizmente boa parte das pessoas que se auto intitulam como inovadores ou cientistas na verdade só fazem chover no molhado. Temos um ambiente que desestimula os inovadores (e cientistas). Estas pessoas precisam enfrentar uma burocracia sem sentido, feita para grandes empresas, enquanto os cientistas estão fissurados para escrever artigos repetitivos, mas de agrado dos que pensam como eles. Precisamos romper isto. Criar um ambiente que estimule os inovadores e os cientistas a desbravarem estes mares inexplorados, com os riscos inerentes a esta empreitada. 

Caríssim@s colegas, sigamos o conselho do poeta português Fernando Teixeira de Andrade:

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmo.

Ousemos fazer a travessia do desconhecido. Vamos abandonar esta fissura em publicar papers que ninguém lê e encontrar outras métricas para aferir a produtividade das pessoas. Se não fizermos isto, corremos sério risco de deixarmos de ser necessários para a humanidade. 

Simples assim.


PS: Taprobana ficou famosa por ter sido utizada por Camões na primeira estrofe de “Os Lusíadas”. Na época era um lugar mitico, quase desconhecido, e que simbolizava a coragem e empreendedorismo dos que se arriscavam a ir até lá. Na verdade é o nome antigo do Sri Lanka, um país-ilha ao sul da Índia que foi colônia portuguêsa por 150 anos.

segunda-feira, 18 de julho de 2022

O cordão dos PUXA SACO

“Lá vem / O cordão dos puxa-saco 
Dando viva aos seus maiorais 
Quem está na frente é passado para trás 
E o cordão dos puxa-saco / Cada vez aumenta mais...”
(Marchinha de Carnaval de Roberto Martins e Frazão) 


“Idolatria é tudo que escraviza o ser humano. 
Paixão desenfreada por dinheiro, time de futebol, partido político, políticos de carne e osso, jogo, bebida alcoólica, cigarro, religião, etc. A lista de itens escravizadores do ser humano é imensa. 
Todos exigem do escravizado tempo, dedicação e quase sempre dinheiro…” 
(autoria desconhecida)

 

Os mitos e gurus não existiriam sem seus fanáticos adoradores. Sem o cordão de puxa sacos que seguem seus "líderes" como os ratos seguiam o flautista de Hamelin, eles simplesmente desapareceriam. Estudos recentes, notadamente de uma psicóloga dinamarquesa, confirmam este fato. 

Mas antes de falar deste estudo, vamos deixar claro sobre quem estamos falando.




Muita gente se pergunta o que leva as pessoas poderosas a ultrapassarem os limites éticos e legais e cometerem crimes. No nosso imaginário, quando ouvimos falar de “pessoas poderosas” pensamos logo em políticos, banqueiros e grandes industriais, mas os grandes poderosos neste início de século XXI são as empresas de tecnologia.

No Brasil temos a idolatria dos políticos, que nos faz “esquecer” os crimes que cometeram. O que ainda não percebemos é que existe também uma "idolatria da tecnologia" que nos leva a ter a noção equivocada de que pessoas (geralmente homens) de grandes realizações (geralmente em tecnologia) não devem ser criticadas, não estão sujeitas a um código de ética e estão acima da lei. Isso é ruim para a sociedade e para os próprios inovadores pois as restrições e dificuldades são essenciais para que a inovação aconteça. A resistência constrói a força, e um ambiente que recompense o talento e não o clientelismo ou o corporativismo é essencial para um país reduzir desigualdades e promover um progresso econômico e social. Afinal, os seres humanos funcionam mal na ausência de limites, estruturas e desafios.

Mas voltando a pergunta inicial, a psicóloga Merete Wedell-Wedellsborg, que estuda executivos poderosos, militares e juízes, descobriu que a ação (ou mais frequentemente a inação) daqueles que cercam líderes poderosos é fundamental para seu comportamento antiético. Os puxa-sacos que vicejam em volta destas pessoas desenvolvem um ambiente viciado que provoca o "entorpecimento” das pessoas em relação ao comportamento de seus líderes, cujos sucessos passados ​​justificam os abusos do presente.

A autora mostra como estes transgressores promovem uma cultura que normaliza o anormal. Pessoas poderosas normalmente têm um talento descomunal para encontrarem uma narrativa não só para justificar seus erros como para os transformar em acertos…

Mas nada disso seria possível sem o beneplácito da sociedade e das pessoas que os cercam. Desenvolvemos toda uma mitologia em torno de artistas e poderosos cujos excessos são considerados excentricidades e não defeitos. Um político brasileiro falou que “Uma mulher não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida, ela tem que ser submissa a um parceiro porque ela gosta dele e quer viver junto com ele”, mas seus seguidores e boa parte da intelectualidade brasileira que o venera ignora sua misoginia. São incapazes de dizer o óbvio: “Não, esta é uma opinião machista”. Ponto.

O mito tecnológico

Mas o cordão dos puxa sacos aumentou, como na marchinha de carnaval. Agora não são só os políticos. Desde Bill Gates e Steve Jobs que aceitamos o discurso de que um executivo de tecnologia é um gênio. Os fanáticos seguidores da Apple, que fazem fila para comprar um novo Iphone (que a cada ano muda o formato do carregador para poder vender mais) são um exemplo disto. Qualquer crítica ao líder ou ao produto, por mais justificada que seja, parece uma crítica aos próprios seguidores.

Tristan Harris e o Center for Humane Technology têm chamado a atenção para os perigos gerados pela tecnologia. Depois que Elon Musk anunciou sua intenção de renegar sua obrigação contratual de comprar o Twitter por US$ 44 bilhões, o que era para mim uma suposição se tornou uma certeza: considero Musk a figura de proa de uma cultura empresarial que usa a tecnologia para explorar a fraqueza humana em vez de capacitar pessoas. Ele é o retrato vivo de uma cultura de gerenciamento tão egocêntrica que não respeita as pessoas que usam seus produtos e serviços, que não respeita as regras e as leis.  

Outros exemplos de executivos deste tipo são Travis Kalanick, que construiu o Uber violando as leis de transporte e trabalho, e Zuckerberg, que mantém sem controle social seu negócio perigoso e destrutivo, que monetiza a depressão, o isolamento e a raiva das pessoas.

Como todo mito ou guru, Elon, Zuckerberg,Travis e seus puxa sacos precisam das críticas dos “infiéis” para justificar sua cultura agressiva. Na caso de Elon Musk, seu amor declarado pela liberdade de expressão não tem nada a ver com direitos civis, engajamento cívico ou comprometimento com a democracia. Suas razões para abandonar o acordo com o Twitter foram descritas por observadores financeiros como "risíveis", "absurdas" e "estúpidas". Elon não iria “consertar” o Twitter assim como Trump sabia que não iria forçar o México a pagar pelo muro. Toda esta retórica era só um meio para mobilizar sua tropa de bajuladores.

Mas há uma lição para todos nós que estamos indignados com a falta de indignação. Dar palco para Elon ou para um político que tem seguidores fanáticos nas mídias digitais só alimenta aqueles que se sentem à vontade com seu guru de estimação. Devemos parar de dar trela a estas pessoas não apenas na internet. Dentro das universidades, que supostamente deveria ser um ambiente onde se analisaria este e outros fenômenos de maneira aberta e crítica, encontramos este mesmo ambiente fechado e intolerante das mídias digitais. Na prática é o mesmo tipo de intolerância tribal que serve aos interesses dos poderosos, não dos impotentes, pois reúne “militantes fanáticos” e não pesquisadores críticos. A intolerância deveria ser o alvo do progresso, não sua ferramenta.

A tecnologia e a prosperidade econômica que ela gerou são irreversíveis. O número de pessoas que a usa e dela se beneficia não para de crescer. A profusão de gritos e discursos inflamados nas mídias digitais, 24 horas por dia, 7 dias por semana, tornou a torre da idolatria mais alta. Os algoritmos que nos fecham em bolhas, onde todas as mensagens que recebemos e vemos são de opiniões parecidas com as nossas tornou a animosidade maior ainda.

O que fazer?

Tudo indica que o tribunal de Delaware, onde Musk vai ser julgado, vai puni-lo exemplarmente. O valor das ações do Twitter, sem Musk, é de cerca de US$ 20 por ação. Pelo contrato que assinou com o Twitter ele deve pagar U$ 54,20 por ação. O tribunal de lá costuma julgar sem se deixar influenciar pela balbúrdia das mídias digitais e de seus fanáticos puxa sacos. O homem mais rico do mundo vai ter que pagar alguns bilhões de dólares para o Twitter.

A punição de Elon Musk vai contribuir para quebrar o mito de que a tecnologia e seus executivos podem tudo, mas isto é muito pouco. A sociedade precisa se conscientizar dos males que a idolatria, qualquer uma (política, religiosa, tecnológica) provoca. Até porque a idolatria e o fanatismo são uma doença que nos faz muito mal.

Em psicologia, os fanáticos são descritos como indivíduos excessivamente agressivos, preconceituosos, que possuem ódio, estreiteza mental e extrema credulidade quanto a um determinado "sistema" ou pessoa. A medicina já comprovou que todos estes sentimentos aumentam em nosso organismo a produção de cortisol, o hormônio do estresse, que além de prejudicar o bem-estar emocional, ainda atrapalha o sono, resulta em aumento de peso e até mesmo problemas cardíacos.

Precisamos criar um novo caminho para o desenvolvimento que:

  • seja centrado em valores humanos e projetado com consciência de que a tecnologia nunca é neutra e é inevitavelmente moldada pelo ambiente socioeconômico circundante;
  • seja sensível à natureza humana e não explore nossas vulnerabilidades fisiológicas e psicológicas;
  • reduza as desigualdades, a ganância e o ódio;
  • ajude a construir uma realidade compartilhada em vez de nos dividir em bolhas, com realidades fragmentadas.

Tudo isto parece utópico, mas a alternativa é um caminho que nos levará para o totalitarismo e/ou a barbárie.

Um outro mundo é possível.

Com menos puxa sacos e idolatria e com uma tecnologia mais humana.


Bora?

 

PS: para saber mais sobre estes assuntos, acompanhe este blog e o site do Crie (http://crie.ufrj.br)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A tragédia (anunciada) em Petrópolis

4º episódio da série “A falência do modelo de Estado: sem mudar a topologia, nada muda!”

Acabei de assistir a entrevista do Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros, o Coronel Leandro Monteiro, ao RJ-TV. Diante da tragédia que está sendo provocada por fortes chuvas, o Comandante só falou abobrinhas. Anunciou que vai ter uma "reunião" às 22h, disse que estava indo para lá e diante da pergunta sobre o que a população devia fazer só conseguiu dizer o óbvio: "Fiquem calmos...".
As chuvas neste periodo do ano não são exatamente uma surpresa. Um Estado que seja organizado para atender a população TEM que ter um plano de contingência pronto para o caso destas catástrofes naturais. O comandante devia saber de cor e salteado o que fazer e dizer nestas situações e não se limitar a pedir calma. O que eu esperava que ele dissesse é que "estamos colocando em marcha o Plano X", que prevê uma integração entre todos os hospitais e postos de saúde da região, que indicasse os locais (que precisam ser previamente definidos) seguros para a população se dirigir, que desse um número de telefone para as pessoas pedirem ajuda (e que deveria ter um número de atendentes reforçados nestes momentos)... Enfim, UM PLANO! Claro que cada caso é um caso, mas a Defesa Civil já tem mapeado as áreas de risco do Estado e pode (se é que não tem) definir um plano deste tipo. Se o plano existe, o Comandante do Corpo de Bombeiros o ignora, e como ele é o Chefe da Defesa Civil isto é muito grave.



O que está acontecendo AGORA, em Petrópolis é mais um retrato da falência do nosso modelo de Estado. Uma estrutura montada para prejudicar o cidadão e favorecer o grupo que está no poder. Precisamos urgentemente mudar a topologia do Estado Brasileiro.
Sem mudar a topologia, nada mudará de fato.
Precisamos de um Estado focado em ATENDER AO CIDADÃO e não ao poderoso de plantão. Enquanto não fizermos isto, vamos substituir os presidentes, governadores e prefeitos sem que nada mude, de fato.
Até a semana que vem!

domingo, 30 de janeiro de 2022

O Brasil investe pouco em educação?

 3º episódio da série “A falência do modelo de Estado: sem mudar a topologia, nada muda!”

“Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.” Rubem Alves Um dos poucos assuntos que é uma unanimidade no Brasil é a Educação (saúde também). Pergunte a qualquer pessoa: “Você acha que a Educação deveria ser uma prioridade nacional?” e veja a resposta. Garanto que 99% das pessoas vão responder “SIM!”. Enfaticamente. No entanto, os resultados educacionais são muito ruins. Segundo Simon Schwartzman, “os dados do PISA, a pesquisa internacional da OECD sobre a qualidade da educação, mostravam que, dos 47% dos jovens de 15 anos que conseguiam chegar ao fim da escola fundamental ou início da média, 67% não tinham os conhecimentos mínimos de matemática esperados para a série, 18.8% não tinham a capacidade mínima de leitura, e 54% não dominavam os conceitos básicos de ciência. Os outros 53% tinham ficado para trás, ou desistido de estudar. Aos 18 anos, em 2012, somente 29% dos jovens haviam conseguido chegar ao último ano do ensino médio ou haviam entrado no ensino superior, e metade já havia deixado de estudar. Quem olha os dados vê a tragédia que está ocorrendo, mas a maioria da população, talvez por ter conhecido dias piores, não enxerga o problema”. (https://www.schwartzman.org.br/sitesimon/) Por que a educação brasileira é este desastre? A resposta mais comum é: “falta dinheiro” ou “Investimos pouco". Será? No Brasil, o gasto público em educação como percentual do produto interno bruto (PIB) é de 6,3% (Fonte: MEC/Inep/DEED), maior do que a média dos países da OCDE (4,4%) ou mesmo de países como Suécia (5,8%), Bélgica (5,7%), Islândia (5,7%) e Finlândia (5,8%). O Brasil só fica abaixo da Noruega (7,2%). Portanto, não falta dinheiro nem investimos pouco em educação. O problema é outro. Não falta dinheiro nem investimento, mas investimos mal. Proporcionalmente, gastamos muito mais do que deveríamos no ensino superior, em detrimento do ensino básico e fundamental. O gasto por aluno do Ensino Superior (R$ 28.640,00) é 3,8 vezes maior que o que gastamos com o aluno da Educação Básica (R$ 6.823,00) mesmo considerando que neste último caso existe o custo da merenda escolar. Nos países desenvolvidos da OCDE, o gasto com aluno do ensino superior é apenas 1,8 vezes maior que o gasto com alunos do ensino básico. Gastamos, portanto, mais do que o dobro dos países da OCDE com o ensino superior (em comparação com o ensino básico e fundamental). Vejam a tabela.

Outro paradoxo é que 80% dos alunos do ensino médio estudam em escolas públicas, mas apenas 36% destes alunos entram numa universidade (quando o aluno vem da rede privada este percentual mais do que dobra: 79,2%). A sociedade investe (proporcionalmente) muito mais nos alunos de Ensino Superior e mais da metade destes alunos são oriundos da rede privada de ensino médio. Ou seja, alunos que pagavam o ensino médio vão estudar gratuitamente no ensino superior, que é muito mais caro. Em resumo, o problema da educação brasileira não é “falta de verbas”, mas a necessidade de inverter nossas prioridades. A prioridade deve ser o ensino básico e fundamental (sem descuidar do Ensino Superior). Ponto. Investimos, proporcionalmente, menos do que deveríamos no ensino básico e fundamental e, sobretudo, investimos mal. Não se trata apenas de melhorar o salário dos professores ou os prédios, mas sobretudo de criar uma plataforma, um ambiente, que permita a cada aluna(o) aprender no seu ritmo. Em colaboração com alunos e professores de qualquer lugar do Brasil e, porque não, do mundo. A criação deste ambiente, que conjuga o ensino físico com o virtual é hoje um dos focos de atuação do CRIE. Estou convencido que ele promoverá uma verdadeira revolução na educação, mas este é assunto para uma outra conversa... O ponto chave aqui é termos um outro modelo de Educação, com foco no ensino básico e fundamento, acessível a todos os cidadãos. A topologia do Estado brasileiro está montada para funcionar de forma excludente. No caso da Educação, está montada para privilegiar as Universidades, que acabam sendo acessíveis a quem teve dinheiro para pagar um ensino básico e médio privado. Não adianta dar mais dinheiro para um modelo excludente e elitista. Nem achar que a política de cotas nas universidades vai resolver estes problemas. Sem mudar a topologia, nada muda de fato. Precisamos de um outro modelo educacional, não para ensinar as respostas, como disse Rubem Alves, mas para ensinar a fazer perguntas. A principal meta da educação, neste século XXI, é criar homens e mulheres que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. Homens e mulheres criadores, inventores, descobridores, capazes de navegar por mares nunca dantes navegados. Até a semana que vem! PS: para acompanhar esta série de posts sobre a Topologia do Estado, siga o blog
https://crie-inteligenciaempresarial.blogspot.com/