sábado, 18 de outubro de 2025

As Universidades fizeram o século XX. Será que vão sobreviver ao século XXI?

 "Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças" (Charles Darwin)


O editorial da revista Nature (The international journal of science / 25 September 2025) vai direto ao ponto: "As universidades estão no olho do furacão: elas precisam inovar para sobreviver". 

Philip Altbach, do Boston College, em Massachusetts, comenta nesta edição especial da revista que “o conceito original de academias que formavam elites religiosas (exclusivamente masculinas) e, posteriormente, seculares, transformou-se, desde a Segunda Guerra Mundial, em instituições de ensino e pesquisa de ampla base. A população estudantil mundial cresceu de 6 milhões em 1950 para mais de 260 milhões em 2023”.

No século XX as universidades foram os pilares do desenvolvimento de muitas nações, em particular nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Segundo Simon Schwartman As universidades de pesquisa dos Estados Unidos estão entre  as melhores do mundo, segundo as diversas avaliações internacionais, graças à qualidade da pesquisa, à formação que dão a seus estudantes e ao impacto da economia e na sociedade.  Só as universidades de Harvard, Chicago e Berkeley têm cada uma mais de cem ganhadores de Prêmio Nobel, entre professores e ex-alunos. Graças às parcerias que estabelecem com empresas e governos, são corresponsáveis pelas principais inovações científicas nas áreas de saúde, engenharia e computação, e seus departamentos de economia, ciências sociais e literatura são fontes permanentes de novas ideias e interpretações sobre a sociedade e a cultura.  Não é à toa que tantos países tratam de copiar seu modelo, com suas escolas de pós-graduação, parcerias com o setor produtivo e formas modernas de gestão, e que estudantes de todo o mundo compitam para estudar lá”. 

Mas as universidades agora enfrentam questões cruciais, que colocam em risco sua sobrevivência. Uma delas é como financiar essas instituições. Nas primeiras décadas de expansão após a Segunda Guerra Mundial (1945), os governos de alguns países ricos viam explicitamente o ensino superior como parte do dever do Estado. Eles arcavam com uma grande parte da conta e havia pouca ou nenhuma cobrança para os estudantes e suas famílias, assim como não havia taxa para frequentar a escola ou a faculdade. No Brasil este modelo continua até hoje nas universidades públicas (federais, estaduais e municipais), embora o percentual de alunos nestas universidades tenha caído drasticamente: Na década de 70 o percentual de alunos nas universidades públicas era de 50%, mas em 2024 apenas 20% dos alunos estão em universidades públicas. Este aumento da participação das universidades privadas veio, recentemente, através do ensino a distância (EaD). Segundo o INEP, o número de matrículas na EaD, em 2024, corresponde a 50,7% do total de matrículas de graduação no país!

Este modelo de financiamento tem sido questionado. Muitos países, inclusive o Brasil, têm transferido o custo do ensino superior para os estudantes e suas famílias, frequentemente por meio de empréstimos que são pagos ao longo de muitos anos. Isso significa que algumas universidades começaram a ser vistas menos como instituições de serviço público e mais como empresas, o que levanta questões fundamentais sobre para quem elas existem, como devem operar e como o acesso mais amplo possível pode ser mantido.

Essas tensões foram exacerbadas em muitas partes do mundo — novamente lideradas pelos Estados Unidos e pela Europa, mas também no Brasil —porque o ensino superior se tornou um ponto de divisão social e alvo de ataques de líderes populistas que acusam as universidades de não representarem plenamente todas as nuances do espectro social e político em seu ensino e pesquisa. As crescentes restrições a vistos e imigração em muitos países também estão pressionando um modelo que se tornou dependente da movimentação internacional, tanto de estudantes — que frequentemente pagam mensalidades mais altas do que seus pares nacionais — quanto de pesquisadores.

Outro ponto-chave para a sobrevivência das universidades neste século é o papel que elas pretendem ter na sociedade. No século passado elas se tornaram a principal formadora de mão de obra e um local privilegiado para se fazer pesquisas que transformaram a realidade econômica e social do mundo (naquelas universidades que se propunham a fazer pesquisas). 

E agora?

Boa parte da força de trabalho que está sendo demandada por uma economia cada vez mais baseada em conhecimento e tecnologia está sendo produzida de forma autônoma, com uma participação cada vez menos das universidades. Vários postos de trabalho estão sendo ocupados por pessoas sem diploma universitário. A pesquisa, da mesma forma, está sendo feita com uma participação cada vez menor das universidades. 


Como evitar que as universidades se transformem de motoras do desenvolvimento das sociedades em meras coadjuvantes deste processo? 

Em primeiro lugar elas devem descer do pedestal em que se colocaram e reconhecer que precisam se reinventar. Em conversa com a brasileira Ângela Olinto em maio de 2025, na época reitora da Columbia University, onde faço um pós-doc, ela falou de como "as universidades foram se afastando da sociedade, deixando de ser guiadas pelos seus problemas e inquietações, para se focarem nos interesses de seus pesquisadores. E o quanto estes interesses nem sempre eram coincidentes"... 

Em segundo lugar, as universidades devem ser cada vez mais um espaço de diversidade, de livre troca de ideias e de experimentação. É forçoso reconhecer que nas últimas décadas as universidades deixaram de ser este espaço aberto, de livre circulação e debate para se tornarem num espaço onde o debate deixou de ser fraternal para se tornar fratricida, como nas mídias digitais.

Por fim, para enfrentar esses desafios, as universidades devem tomar o futuro em suas próprias mãos. Como Yasheng Huang, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge, escreve em um artigo da World View (ver página 823), uma abordagem que elas podem adotar, diante de uma realidade de financiamento público decrescente e menos confiável é reivindicar de volta uma parcela maior do valor que geram para a sociedade. As universidades precisam ter uma estratégia que lhes permita capturar mais da riqueza que geram antes que ela saia delas sem quase nenhuma apropriação. Isto passa por um conjunto de iniciativas, desde a organização dos estágios de seus alunos (com a universidade se apropriando da renda gerada por eles), passando pelo uso inteligente de seu patrimônio físico e, sobretudo, do conhecimento ali produzido, por seus alunos e ex-alunos. Por fim, e talvez o mais importante no caso brasileiro, os órgãos de controle (Ministério Público e Tribunais de Contas) precisam deixar de impedir que esta apropriação de receita e valor aconteça. Ouso dizer que, na prática, estas instituições entrarão na história como uma das principais responsáveis pela debacle das universidades públicas brasileiras. 

Mas há muito mais que as universidades deveriam fazer. Existem vários exemplos interessantes de transformação da experiência do ensino superior de forma a torná-la mais adequada à sua finalidade — como expandir o papel da IA na educação médica, impulsionar a empregabilidade de doutores e incorporar a criatividade na formação científica. 

Gerar novas ideias está no cerne da missão das universidades. Voltar a ser um espaço livre e diverso de experimentação é fundamental para que isto volte a ocorrer. As universidades são — e devem continuar a ser — uma força para o bem. Elas precisam olhar cada vez menos para si mesmas e se abrir cada vez mais para a sociedade para voltarem a ter sua capacidade inata de inovação.

As universidades precisam se lembrar da lição de Darwin e se reinventar. É fazer isto ou perecer...

 

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