terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O desconhecido como espaço de esperança. Feliz mundo novo!



"Ontem choveu no futuro" 
(O livro das ignorãças - Manoel de Barros)

"A dúvida é saudável. A certeza é enlouquecedora"... 
(Luiz Alberto Py, psiquiatra e psicanalista)



Por uma destas coincidências da vida, moro numa rua que vai dar no início da rua Mundo Novo. Costumo correr e caminhar por ali porque tem caminhos com muita sombra e um visual inusitado do Rio, em particular da Baía de Guanabara, do Pão de Açúcar e do Cristo. 



Foi num destes momentos que me dei conta que o ano novo que começa está prenhe de um mundo novo. Começamos, mesmo que ainda não tenhamos plena consciência disto, a perceber as coisas que acontecem na nossa vida de uma forma não linear, mais complexa, mais sistêmica. Mesmo a linearidade do discurso (sujeito-verbo-predicado) já não está dando conta da nossa necessidade de expressão. Nos livros, filmes, peças de teatro e mesmo na comunicação via mídias sociais procuramos novas formas de contar o que vimos e sentimos. 
Tínhamos a pretensão, ao entrar na escola, de aprender de cor todas as informações relevantes para nossa vida profissional, e hoje, cada vez mais nos damos conta que todo conhecimento é efêmero, incompleto... Este novo mundo nos faz ter a sensação que tudo é provisório: o trabalho (a rotatividade aumentou), onde moramos (as pessoas estão se deslocando mais, inclusive para outros países), as relações (cada vez mais pessoas se casam mais de uma vez). Se compararmos qualquer aspecto da nossa vida de hoje com cinquenta anos atrás (quando nasci), fica evidente que a provisoriedade da vida só fez aumentar. E isto, obviamente, nos assusta. O que é provisório nos faz perder o chão, as certezas. E nos faz ter medo.
Mas se pensarmos bem, a vida foi sempre assim. A mudança sempre fez parte da vida humana. Não estávamos aqui alguns milhões de anos atrás. Só os dinossauros... Só que ela não ocorria na velocidade que está ocorrendo. Em nossa existência, estamos vivendo uma diversidade de coisas que antes só eram vividas por várias gerações. Esta época de mudanças frequentes e contínuas nos fez perder a noção de que a instabilidade e a complexidade são características essenciais da vida. São intrínsecas à ela. A escola e os modelos mentais com os quais aprendemos a interagir no mundo é que nos fizeram colocar tudo em caixinhas isoladas, tentando reduzir a complexidade e mascarando a instabilidade inerente à vida. 
É preciso afirmar a instabilidade da vida, sua provisoriedade. A vida não é estável nem eterna! Temos uma visão negativa destas coisas e das incertezas e dúvidas que elas nos trazem, mas não devíamos esquecer que são as certezas absolutas que deformam e desfiguram a realidade. São elas que nos matam e nos fazem matar! Hitler e Stalin estavam absolutamente seguros do que estavam fazendo. Não tinham dúvidas...
"Ocupo muito de mim com o meu desconhecer" (Manuel de Barros)
A certeza é o contrário da vida, porque a dúvida não é só ficar indeciso. É supor, conjecturar, abrir e buscar novos caminhos. Neste sentido é ela que nos move, que nos faz querer prosseguir. Podemos ter certeza do amor da(o) mulher (homem) amada(o), mas tod@s sabemos que nada é eterno. Que o amor, como a vida, não é estável nem eterno. A dúvida é saudável! Não a dúvida que corrói, que destrói ou paralisa. Mas aquela que instiga, que nos faz querer continuar a descobrir o outro. Ela é um antídoto para nossa onipotência, e como diria alguém (que não anotei no meu caderninho...), nos liberta das algemas da convicção! 
Podemos ver o desconhecido como escuridão, uma coisa a ser evitada. E que nos dá medo. A maioria de nós procura evitar este mundo novo, desconhecido. Na vida profissional ou afetiva. Prefiro ver o desconhecido como um espaço de esperança. Claro que ninguém dá um passo no escuro sem um bom motivo. E que o medo é parte deste processo. Como a instabilidade e a provisoriedade da vida. Como a alegria ou o sofrimento. Ninguém gosta de sentir dor, por exemplo, mas tenho uma amiga que teve um filho que nasceu com uma doença que fazia com que ele não sentisse dor nenhuma. E esta era a maior ameaça à sua vida. Como não sentia dor podia morrer queimado ou com um osso quebrado. Muito louco isto, não? Quem não sente dor está muito mais ameaçado de morrer...
Claro que precisamos de uma bússola, de referências que nos ajudem a navegar nestes mares revoltos e provisórios da vida. E de um porto onde possamos encontrar um pouco de paz e tranquilidade...
Mas cobrar da vida uma regularidade e estabilidade que encontramos numa fábrica ou numa missa é o caminho seguro para a angústia, frustração e depressão. Porque estaremos no caminho oposto ao da vida. Quem vai sobreviver neste mundo novo são as pessoas abertas às transformações, capazes de se adaptarem às mudanças.
Sempre foi assim, não é?

Todos os dias chove no futuro... Então, coloquemos nossos sensores, nossa sensibilidade e nossa razão em ação para aproveitarmos este admirável mundo novo. Tem um mundo acabando, mas tem um outro começando. Basta termos olhos pra ver e estarmos atentos aos sinais deste futuro. Ele não está pronto, nem está escrito nas estrelas. O que ele vai ser depende de cada um de nós.
Bora construí-lo?



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