terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Os banqueiros anarquistas

"O que é o roubo de um bancocomparado à fundação de um banco?"
(Bertold Brecht)
"Como subjugar o dinheiro, combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu encontro? O processo era só um - adquiri-lo, adquiri-lo em quantidades bastante para lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influência. Foi quando vi isto claramente, com toda a força da minha convicção de anarquista, e toda a minha lógica de homem lúcido, que entrei na fase atual - a comercial e bancária, meu amigo - do meu anarquismo.''


Pelo preço de tabela, publicado em seu site, o Bradesco cobra de seus clientes R$ 7,90 por docTive um aluno, que trabalhou na central de dados do Bradesco em São Paulo, para quem pedi que fizesse um levantamento dos custos anuais de operação desta central e que dividisse este valor pelo número de docs processados anualmente pela central de dados. Com isto obteríamos o custo de um doc para o Bradesco. Qual foi este valor encontrado pelo meu aluno? Adivinhem. Pensem aí, qual o custo para o Bradesco para emitir e processar um doc? Será que é R$ 1,00?, R$ 2,50?
Pois bem, o custo de um doc para o Bradesco é de R$ 0,006... Isto mesmo, menos de um centavo! 
Qualquer empreendedor sabe que ter uma margem de 20% em um negócio (o que ele lucra) é uma excelente margem. Mesmo num país que tem um juro real alto como o Brasil. Uma margem acima de 100% só é obtida em negócios ilegais. Se a margem do Bradesco fosse de 100% ele deveria cobrar UM CENTAVO pelos docs que processa. Ele cobra R$ 7,90! Esta margem (incalculável de tão grande) é um roubo descarado! É um despropósito! Mas é uma margem legalizada e aceita pelo Banco Central. E reparem, as tarifas bancárias não são uma "operação de risco". É um dinheiro fácil, ganho às custas dos clientes sem alternativas (TODOS OS BANCOS cobram tarifas exorbitantes). Em nenhum outro lugar do mundo eles ganham tanto dinheiro e têm tanta lucratividade. 
Para não ser injusto, devemos dizer que os banqueiros, no Brasil, "trabalham" muito. Prova disso é que a primeira ação da presidente Dilma, após dar posse ao novo ministro da fazenda, Nélson Barbosa foi se reunir com os dois comandantes do Bradesco: Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabuco (veja imagem). Nenhuma mudança no ministério acontece sem que nossos banqueiros deem sua opinião...
   Fonte: coluna do Ancelmo Gois - O Globo de 22/12/2015
Se antes havia algum prurido do governo em se manter, pelo menos publicamente, longe dos banqueiros, agora este prurido acabou. Quando foi eleita, Dilma consultou lula (com minúsculas mesmo) sobre nomes para o ministério e a indicação dele foi do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco. Trabuco não aceitou, mas indicou Levy, que assumiu o ministério. Agora, vemos claramente que a saída de Levy foi negociada descaradamente com o Bradesco.
Na verdade, este comportamento não devia nos espantar. Estudo elaborado pela Contec (Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito mostra que os lucros dos bancos, durante os governos do PT (em valores corrigidos e na média anual), foi CINCO VEZES maior que no governo de Fernando Henrique Cardoso. 

Governo                                     Total acumulado         Média anual 
Fernando Henrique(1995-2002)  R$ 63,63 bi                 R$ 7,95 bi 
Lula da Silva (2003-2010)           R$ 254,76 bi               R$ 31,84 bi
Dilma Rousseff (2011 - 2013)     R$ 115,75 bi               R$ 38,58 bi
Tabela 1: Lucro líquido do sistema financeiro nacional, em bilhões de reais valores corrigidos pelo IPCA (Fonte: Banco Central do Brasil)

O estudo da Contec parou em 2013, mas a farra dos bancos não. Segundo o DIEESE, os cinco maiores bancos que atuam no Brasil tiveram, em 2014, um lucro de R$ 60,3 bilhões, o dobro do lucro médio obtido durante os governos de lula, que já tinham sido muito altos. 
E de onde vem estes lucros? Segundo o estudo da Patricia Olga Camargo, publicado pela Editora Unesp e intitulado "A evolução recente do setor bancário no Brasil" (pp123-127), "A partir de 2003, os bancos direcionaram-se para as operações de crédito, que se tornaram as principais responsáveis pelos altos lucros do período. As receitas de prestação de serviços, apesar de ainda terem participação importante nos resultados das instituições, não têm muito espaço para crescimento". 

Se enganam todos que pensaram que estar operações de crédito estavam direcionadas para o investimento. Segundo a pesquisadora (pp123-127), "...destacaram-se os financiamentos com garantias reais, principalmente financiamento imobiliário, a veículos e crédito consignado", ou seja, o crédito foi direcionado ao consumo e não ao investimento. E mais, trata-se de financiamentos de curto prazo e para um tipo de consumo que traz baixo risco para os bancos por se tratar de bens que podem ser tomados de volta em caso de não pagamento por parte dos clientes (no caso do financiamento imobiliário e de automóveis) e sem risco ou risco muito baixo no caso do crédito consignado e cartão de crédito.

As operações de longo prazo ficaram concentradas nos três maiores bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e, principalmente, BNDES) e foram TODAS destinadas a grandes grupos e empresas escolhidas a dedo...

Em resumo, o Brasil é o paraíso dos bancos. Se ganhassem dinheiro por serem eficientes e correrem os riscos inerentes ao seu negócio, seria aceitável. Mas não é o que acontece no caso brasileiro. Quando os juros caem e a atividade econômica aumenta, eles ganham financiando o consumo (com baixíssimo risco, como já vimos, através do crédito consignado, no cartão de crédito e nas tarifas absurdas que cobram). Quando os juros sobem e a atividade econômica diminui, eles ganham com os juros e com a inadimplência (tomam os bens que financiaram)... É o que se chama de um capitalismo cartorial e protegido, onde não existe risco nem mercado, de fato. Os lucros são deles, mas os riscos e os prejuízos são da toda a sociedade.

O Brasil não vai conseguir entrar no século XXI de forma sustentável e justa sem mexer neste vespeiro. O sistema bancário não pode continuar operando desta forma.

Em um texto brilhante, chamado O banqueiro anarquista, Fernando Pessoa apresenta os argumentos de um banqueiro para demonstrar que ele continuava sendo o mesmo anarquista dos seus dezoito anos de idade e que ser banqueiro e anarquista não era uma contradição. Segundo ele, os anarquistas querem acabar com todas as convenções sociais para instaurar uma sociedade onde todos possam ser livres. Ao identificar que a maior e mais poderosa das convenções sociais é o dinheiro, nosso anarquista resolveu que a melhor forma de não ser subjugado por esta convenção seria possuí-la... E resolveu "adquiri-lo, adquiri-lo em quantidades bastante para lhe não sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse", tanto mais livre o banqueiro se sentiria da "dependência" do dinheiro. Dentro desta lógica, ele pode continuar se sentindo anarquista porque estava "livre" do dinheiro.

Nossos governantes parecem que resolveram se transformar em "banqueiros anarquistas"... Ao invés de reduzir o peso dos banqueiros, decidiram se aliar a eles. Podem ter engordado as suas contas bancárias e de seus descendentes, mas hipotecaram o futuro do país.



4 comentários:

  1. Perfeito, Marcos. O único reparo que eu faria seria trocar "se aliar a eles" por "se dedicar a eles".

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  2. Olá Professor, tudo bem?! Fui seu aluno, portanto sinto total liberdade de fazer uma correção no artigo acima. O custo interbancário de um Doc é de aprox. R$ 1,40 fora os custos que os bancos têm para processamento interno, suporte e guarda de informação entre outros. Além disso há uma distância entre o que se publica em tabela e o que de fato é cobrado de clientes. Isso torna a margem de lucro de um simples Doc bem inferior ao que o Sr publicou. A sua análise segue correta, apenas esclareço que o Doc não é uma métrica que levaria à conclusão que o seu artigo sugere.
    Forte abraço, Rafael Teruszkin

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  3. De uma superficialidade ímpar. A tese é uma velha conhecida: os bancos são malvados e querem explorar a pobre e coitada sociedade. Se de fato os bancos comandassem a economia, não estaríamos nesta lama. Além do mais, picaretas tais quais o senhor Barbosa não teriam o menor espaço para as groselhas que falam.

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  4. De uma superficialidade ímpar. A tese é uma velha conhecida: os bancos são malvados e querem explorar a pobre e coitada sociedade. Se de fato os bancos comandassem a economia, não estaríamos nesta lama. Além do mais, picaretas tais quais o senhor Barbosa não teriam o menor espaço para as groselhas que falam.

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