sábado, 23 de janeiro de 2016

A felicidade se aprende?

As ideias geniais são óbvias

A lição sabemos de cor. Agora só nos resta aprender 
(Sol de Primavera - Beto Guedes)


Estudei a minha vida inteira no Colégio São Vicente de Paulo, um colégio católico no Rio de Janeiro. Tive a sorte de ter um professor de religião bem atípico, o Padre Dario, com quem tive várias discussões depois da aula, normalmente sobre coisas que eu não concordava sobre o que ele tinha nos ensinado. Uma destas foi sobre a necessidade de se rezar todas as noites. Quase todos meu colegas pediam coisas (passar de ano, ir bem na prova, ganhar um brinquedo...) e eu achava que Deus devia ter mais coisas para fazer do que se ocupar destas mesquinharias... Ele então me sugeriu rezar toda noite, antes de dormir dizendo simplesmente: "papai do céu obrigado pelo dia de hoje". Não era nenhum pedido. Só um agradecimento. O que eu não sabia era que este hábito acabaria me levando a pensar sobre a vida...

De fato, com o tempo, parei de "rezar", mas ficou o hábito de, no escuro, pensar sobre o que tinha feito, o que devia fazer e desejar que as pessoas fossem felizes. De lá pra cá um longo tempo se passou, mas constato que a busca da felicidade continua sendo o grande motor da espécie humana. A humanidade busca ser feliz há bilhões de anos e até hoje não achamos a fórmula mágica para isto. Sem ter como acompanhar a trajetória de cada um dos bilhões de seres ao longo de toda a sua vida, sem ter dados sobre isto, fica muito difícil estudar o comportamento humano e encontrar padrões que nos dessem pistas sobre os mecanismos complexos que nos trazem a felicidade.




Um gigantesco estudo realizado pela Universidade de Harvard (veja o vídeo!) parece que começa a desvendar os mistérios da felicidade e da vida saudável. Durante 75 anos eles acompanharam a vida de 724 pessoas e a conclusão maior deste estudo foi:


"As boas relações mantém-nos mais felizes e saudáveis. Ponto final."

Parece óbvio e é, mas como diz a citação no cabeçalho deste post, as ideias geniais são óbvias. São ideias que quando a gente ouve de alguém a gente diz: "mas isto é óbvio!". Era, mas ninguém tinha dito antes. Estava na cara de todos e ninguém tinha percebido. A genialidade está exatamente em perceber o que todos poderiam ter percebido mas não o fizeram. As ideias complicadas, que ninguém entende, não são geniais...

Além disso, embora todos desejem ser felizes, a maior parte das pessoas ainda associa a felicidade a ter coisas (que elas pedem em suas orações...) e não às relações humanas. Pesquisa recente com jovens que nasceram nos anos 80 e 90 (vejam o vídeo) perguntando quais seriam seus maiores objetivos na vida mostra que 70% deles querem ficar ricos; 50% querem ficar famosos e 30% desejam trabalhar em algo que os satisfaça e os tornem ricos e famosos... Não é a toa, portanto, que as pessoas estejam cada vez mais angustiadas e deprimidas. Os objetivos que elas têm para sua vida não ajudam a torná-las mais felizes.

O que devemos fazer então? Se o que nos fará felizes é termos relações verdadeiras, o que devíamos estar fazendo agora, para construirmos este futuro mais feliz e saudável? O estudo diz que a chave é termos boas relações. A grande questão é como construir estas relações verdadeiras? Onde colocar nosso tempo e energia?

O estudo conduzido por Harvard avançou nesta questão e concluiu que devíamos nos concentrar em três coisas:

  1. Devemos construir sólidas relações sociais (com amigos, família, comunidade). A solidão mata.
    • As pessoas que têm mais relações são mais felizes e vivem mais que as pessoas que não construíram estas relações. Não se trata aqui de ter muitos "contatos" e "conhecidos", mas de relações efetivas, onde há envolvimento físico e emocional. 
  2. Não basta o número de amigos ou termos (ou não) relações estáveis com alguém, mas da qualidade de nossas relações íntimas.
    • Relações estáveis e duradouras, mas conflituosas são muito ruins para a saúde e a felicidade das pessoas
  3. Relações de qualidade protegem nosso corpo (as pessoas são mais saudáveis), mas sobretudo, protegem nosso cérebro
    • Pessoas que mantém relações onde elas sentem que não podem confiar nas outras pessoas são as que tiveram um declínio muito mais acentuado da memória e doenças como Alzheimer.
Relações de qualidade ou ter boas relações não significa que elas são fáceis. Existem discussões e conflitos, mas enquanto sentirem que podem realmente contar um com o outro, estas discussões perdem relevância e ajudam a solidificar a relação. Confiança é um aspecto chave das boas relações. 

Isto tudo, como já disse, parece óbvio. Por que então é tão difícil construirmos estas relações, investindo tempo nisso e por que é tão fácil esquecer e ignorar esta obviedade? 

Porque somos humanos. O que gostaríamos mesmo é uma receita rápida de felicidade. Uma pílula que tomássemos e nos fizesse felizes para sempre... Construir relações verdadeiras é complicado, leva tempo, tem problemas. É difícil lidar com amigos, família, trabalhar, se ocupar com a comunidade à sua volta. Construir boas relações leva tempo, não é sensual, demanda esforço e persistência. Não é um esforço que façamos durante um tempo e depois podemos relaxar e esquecer. É um esforço constante, que dura a vida toda!

O que fazer? Como todo problema complexo, a construção de relações de qualidade é uma questão que não se resolve, demanda atenção constante, precisa ser gerenciada o tempo todo. Parece complicado, mas na verdade é simples e o estudo de Harvard aponta algumas atividade extremamente simples e eficazes:
  • Substituir uma parte do tempo que passamos diante de uma tela (de computador, de televisão, de um celular) por mais tempo em contato com pessoas e a natureza. 
  • Animar relações adormecidas fazendo qualquer coisa em conjunto, mesmo que isto seja um simples passeio à pé, uma viagem ou uma ida ao cinema
  • Falar com pessoas da família que você não vê há anos
  • Não guardar rancores ou raiva dos outros...
Em resumo, o estudo de Harvard mostra que felicidade e vida saudável não se compra na farmácia, não se pede (nem mesmo a Deus...), nem podem ser obtidas decorando-se alguma receita milagrosa. É um processo de construção diária e que envolve o estabelecimento de relações de qualidade. A lição de Harvard está dada. Agora só nos resta aprender.

Se todo dia você reservar alguns minutos para pensar sobre sua vida você encontrará o que você deve fazer para construir sua felicidade. Parecem passos pequenos, mas o estudo de Harvard mostrou que a felicidade é feita de coisas simples. Mesmo que elas durem pouco, estes momentos de felicidade é que farão que a gente viva mais e de forma saudável. Como a citação de Mark Twain feita no vídeo :
Não há tempo. Tão breve é a vida para a perdermos com discussões, desculpas, amarguras, prestações de conta...Só há tempo para amar. Mesmo que isto seja só um instante...

4 comentários:

  1. Marcos,

    Brilhante como sempre! Simples, essa palavra é fundamental... Acho que sim, se aprende qdo nos despimos de orgulhos e vaidades, e entendemos o que é DOAÇÃO+ AMOR + aceitação...

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    1. Você tem razão Angela. A simplicidade é sempre o mais difícil e o mais gratificante também...

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  2. Muito inspirador, obrigado. Praticar é preciso.

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