segunda-feira, 18 de abril de 2016

O futuro não está escrito nas estrelas

"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..." 
(Caetano Veloso)

"Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida".   

(Carlos Drummond de Andrade)

Nem tudo que tentamos fazer ou mudar dá certo, 
mas 100% das coisas que mudaram foi porque alguém tentou.


Estar no mundo é coexistir com uma variedade de visões, sentimentos e percepções. Para muitos de nós isto é motivo de angústia. Preferimos o conforto de nos cercar de quem pensa, sente e age como nós. 

Desde garoto que busquei outro caminho. Talvez porque meu anjo seja torto, eu convivia com várias tribos. Era um bom aluno, só tirava notas altas e ganhava medalha de ouro em "comportamento". Era um fortíssimo candidato, portanto, a sofrer bullying por parte dos meus colegas. Fui salvo pelo futebol. Como gostava e jogava bem futebol, era disputado pelos colegas para que eu jogasse no time deles. E com isso, eles toleravam que eu fosse um bom aluno... Eu participava do grêmio e do jornal do colégio, convivia no meio dos colegas politizados, mas adorava pegar jacaré na praia, o que me aproximava dos surfistas, que meus colegas intelectuais achavam "alienados"... 


Esta convivência com pessoas tão diversas não me deixava angustiado, ao contrário. Eu ficava fascinado de ver como os seres humanos são tão ricos e diferentes. O que me espantava era a incompreensão e o preconceito que percebia entre estes diversos grupos. 


Muita gente se espantou, com razão, assistindo nossos deputados votando ontem. Sinto informá-los que aquele circo é um retrato do Brasil. Olhar no espelho e perceber certas verdades certamente não é agradável, mas aceitar o desafio de ser quem somos é o primeiro passo para transformar a realidade. 


Para alguns amigos a dor é ainda maior, porque acreditavam piamente que o impeachment não seria aprovado. Era o que lhes garantiam todos os líderes nos quais eles acreditam. O maior deles, inclusive, considerado um grande articulador, passou a semana em Brasília "conversando" com dezenas de deputados. Deu no que deu. 


Por quê esta decepção?


No fechado círculo dos amigos, das notícias selecionadas de blogs e sites que reproduzem a mesma visão de mundo, não tinha espaço para a diversidade. Todos à sua volta eram unânimes em dizer "não vai ter golpe". Quem não fazia parte deste seleto grupo era "golpista" ou "coxinha". E estes eram evidentemente uma minoria... 


A realidade acabou por se impor. A realidade, quase sempre, acaba por se impor. Como disse Abraham Lincoln, "Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo, mas não se pode enganar a todos o tempo todo".







Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Eu acho mais saudável e menos doloroso não apenas aceitar e valorizar, mas buscar a diversidade. E este é um exercício constante. Uso esta palavra - exercício - porque acho que ela nos remete a uma forma de viver e experimentar o mundo, de estar aberto aos outros e ao aprendizado. Quem faz ou executa tem certezas. Quem exercita está experimentando, aprendendo. 

A votação do impeachment fez o Brasil se ver no espelho e o retrato certamente não foi bonito. Ainda teremos um longo caminho para mudar, de fato, o Brasil. O início do fim desta era nos trará o enorme desafio de construir um novo caminho, sem líderes messiânicos ou salvadores da pátria. Mas só conseguiremos construir este novo rumo se tivermos clareza da direção que queremos seguir e se conseguirmos operacionalizar a mudança.

Para mim, a direção que devemos seguir é uma que busque unir justiça e a liberdade. 
Como disse o poeta uruguaio Eduardo Galeano, "o século XX divorciou a justiça da liberdade. A metade do mundo sacrificou a justiça em nome da liberdade e a outra sacrificou a liberdade em nome da justiça. Essa foi a tragédia do século passado. O desafio do século atual consiste, acho eu, em unir a essas duas irmãs siamesas que foram obrigadas a viver separadas: a justiça e a liberdade".


Mas não basta estarmos na direção correta. Para mudar precisamos criar as condições para que esta mudança ocorra. Precisamos operacionalizar, tornar viável este caminho. E ai, tentar construir o Brasil do século XXI com as estruturas representativas (sindicatos, partidos, etc) e as mídias (grande imprensa) do MILÊNIO PASSADO é dar murro em ponta de faca. Não vai dar certo.

O século XXI NÃO É MAIS o da sociedade industrial, hierárquica. No século passado, as manifestações eram organizadas pelos sindicatos e organizações como a UNE e o MST; a mídia era controlada pela TV Globo (o que não saía no jornal nacional ninguém comentava) e os conchavos de bastidores na política podiam acontecer sem que ninguém soubesse. O século XXI é o da sociedade do conhecimento, em rede. As manifestações não são mais controladas pelos sindicatos e aparelhos partidários; vide as manifestações de junho de 2013 e a ocupação das escolas pelos estudantes. Este novo século marca o desmoronamento das estruturas hierárquicas. Os partidos não representam mais a diversidade da sociedade, e as informações não são mais controladas pelos grandes órgãos de imprensa.

O que deixa os políticos, os sindicalistas e alguns intelectuais desesperados e achando que a "democracia está ameaçada" é justamente o fato de que a democracia não depende mais deles para acontecer. Eles não controlam mais a sociedade. Estamos encontrando novas formas de se organizar, de se informar e de se expressar, por fora dos atuais partidos, sindicatos e da "academia".

A mudança me parece inexorável. Elas vão acontecer APESAR das velhas estruturas e das velhas ideias, porque como diria Victor Hugo, "nada é mais poderoso que uma ideia cuja hora chegou". E o tempo da sociedade do conhecimento em rede chegou. Vamos construir as estruturas (redes) que nos levem a combinar justiça e liberdade e colocar o Brasil na sociedade do conhecimento. Não vai ser fácil, mas só depende de nós. O Brasil só vai mudar se cada um de nós fizer a sua parte. Se cada um dos nós desta imensa rede que estamos tecendo for ativo e autônomo, agindo no seu ritmo, com suas características, do seu jeito. 


Alguns leem e veem estas coisas e dizem "espero que você esteja certo". Se ficarmos esperando as coisas não vão mudar. As coisas só mudam se agirmos, se fizermos alguma coisa. Nem tudo que tentamos fazer ou mudar dá certo, mas 100% das coisas que mudaram foi porque alguém tentou....

O futuro não está escritos nas estrelas. Vamos contruí-lo, até porque "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos".

Vamos nessa?

 .

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