sábado, 13 de fevereiro de 2016

O futuro está escrito nas estrelas?

"O júri é muito simpático, mas é incompetente" (Caetano Veloso)
"O inferno são os outros" (personagem Garcin do texto Huis Clos - Entre quatro paredes, de Jean Paul Sartre

Esta semana a carta aberta aos brasileiros do escritor americano Mark Manson está provocando uma polêmica saudável: afinal estamos nesta situação por culpa nossa ou de outros?

Para Manson, a situação em que nos encontramos é responsabilidade nossa. De cada um de nós, brasileiros. Da nossa cultura, de nossas crenças e de nossa mentalidade. Em resumo, do que entendemos que é "ser brasileiro":
"É a mesma velha história, só muda a década. A democracia não resolveu o problema. Uma moeda forte não resolveu o problema. Tirar milhares de pessoas da pobreza não resolveu o problema. O problema persiste. E persiste porque ele está na mentalidade das pessoas".
Fui pesquisar e encontrei este livro super interessante do professor Stephen Haber, da faculdade de ciências sociais de Stanford. A pesquisa do professor Haber traz um dado que me parece extremamente relevante: no início do século XIX, o PIB per capita do Brasil e dos Estados Unidos (EUA) eram equivalentes, mas um século depois ficamos para trás...


Por quê?

As razões que estudamos em nossos livros de história são várias: enquanto a independência americana abriu as portas para a industrialização americana, a nossa só fez reforçar nossa economia agrária, baseada no latifúndio e com baixa produtividade. O Barão de Mauá, que tentou industrializar o Brasil foi sumariamente boicotado pela elite agrária que mandava no país.

Um dado interessante. Na conquista do oeste americano, o governo de lá baixou uma lei onde quem comprovasse estar trabalhando na terra por cinco anos ganhava o título de propriedade, não importando sua nacionalidade. No Brasil, o governo se declarou o dono de todas as terras e as vendia para quem pagasse mais (ou fosse "amigo" do governo). O resultado destas escolhas distintas? No caso brasileiro, a política governamental promoveu os latifúndios improdutivos que caracterizaram o Brasil por mais de um século, enquanto nos EUA a produção e a riqueza se espalharam pelo país. Desde nossa fundação como nação independente escolhemos o paternalismo do Estado e uma forma de inserção na economia mundial como exportadores de commodities. O mais incrível não foi fazer esta escolha, mas permanecer com ela por mais de 200 anos...

Claro que muitos intelectuais brasileiros tentaram explicar esta situação de outra forma. Criamos, por exemplo, A Teoria de Dependência. Dentro desta visão, da qual fazem parte intelectuais renomados, como Celso Furtado, a razão principal do nosso atraso reside nos países desenvolvidos. Dentro da divisão internacional do trabalho, nos caberia a parte menos nobre e mais braçal (exportador agrícola). Curiosamente, esta escola do pensamento sempre se caracterizou por uma leitura da realidade eminentemente qualitativa, evitando o uso sistemático de dados quantitativos. O estudo do professor Haber traz dados quantitativos que, me parece, contribuem bastante para questionarmos algumas de nossas crenças e valores e a refletir sobre nossas escolhas no passado

Sempre aprendemos, por exemplo, que "somos subdesenvolvidos porque isso interessa aos países do primeiro mundo"; ou "que a culpa é do FMI (Fundo Monetário Internacional)" ou das multinacionais; ou ainda, "que fomos uma colônia de exploração, enquanto que os EUA foram uma colônia de povoamento"... Mas fomos "descobertos" e obtivemos nossa independência quase que ao mesmo tempo que os EUA e até o século XIX éramos tão desenvolvidos quanto eles. Por quê então resolvemos continuar sendo uma "colônia de exploração exportadora de commodities"? E por quê, mais de duzentos anos depois, persistimos nesta escolha?  

Para o instigante texto de Mark Manson, as razões não são só econômicas ou políticas. São culturais. Nós priorizamos nossos interesses pessoais e/ou a família em detrimento de outros membros da sociedade. Em outras culturas os interesses individuais são subordinados aos interesses da coletividade. Exemplo disto foi a forma como cada país estimulou o uso do solo. Nos EUA, quem estivesse produzindo ficava com a terra. No Brasil, o governo era o grande "pai" que estava ali para defender o interesse dos parentes e amigos em primeiro lugar... Como diz a carta aberta, 
"É curioso ver que quando um brasileiro prejudica outro cidadão para beneficiar sua família, ele se acha altruísta. Ele não percebe que altruísmo é abrir mão dos próprios interesses para beneficiar um estranho se for para o bem da sociedade como um todo".
Nem todos concordam com o escritor americano. Sua carta aberta provocou uma reação de muitos jornalistas e escritores brasileiros. Alguns, como este blog, atribuem nosso atraso a fatores externos a nós:
"Sendo a sociedade capitalista moderna global, não pode-se entender a infraestrutura brasileira sem entender a infraestrutura global. Isso coloca o Brasil no grupo dos países cuja competitividade no mercado internacional é limitada, não por incapacidade de seus habitantes de criar ou produzir, mas por condicionamento histórico: nossa infraestrutura não está plenamente desenvolvida, nosso desenvolvimento está atrasado".
Claro que vivemos num mundo cada vez mais interconectado e que estamos sujeitos a "condicionamentos históricos" e que nossa infraestrutura está submetida a "infraestrutura global". Mais ainda, cada um de nós tem uma percepção da realidade diferente da de outras pessoas. Podemos não concordar com a percepção de Mark Manson, mas para rebatê-la deveríamos apresentar dados que justifiquem nossa posição e não repetir generalidades ou verdades que não ajudam a problematizar e resolver nossos problemas. Culpar o "capitalismo internacional" ou "a ganância dos bancos e das multinacionais" pode ser uma bela maneira de culpar os outros (o inferno são os outros...), mas não nos ajuda a a avançar um centímetro...

Em 1968, durante os festivais de música, o Caetano Veloso foi entrevistado logo depois de perder o festival com sua música Alegria, Alegria e falou que os jurados eram "muito simpáticos, mas incompetentes"... Para mim esta frase é um retrato do nosso país. Somos um povo alegre, simpático e criativo, mas somos incompetentes. Não conseguimos transformar nossa criatividade em inovação. Não conseguimos criar e compartilhar valor entre toda a sociedade. Acredito que um dos motivos para isto é esta nossa mania de culpar os outros por nossos problemas. Precisamos aprender a encarar nossos problemas de frente, aprender com eles e construir um caminho novo para nosso futuro. Sem paternalismos e demagogias. Com trabalho, produtividade e o nosso diferencial: a alegria. Quem disse que para valorizar o esforço e o trabalho e sermos competitivos precisamos ser tristes e sorumbáticos? Podemos ser competitivos e alegres. Por que não?

Como nos lembra o escritor americano, 
"O “jeitinho brasileiro” precisa morrer. Essa vaidade, essa mania de dizer que o Brasil sempre foi assim e não tem mais jeito também precisa morrer. E a única forma de acabar com tudo isso é se cada brasileiro decidir matar isso dentro de si mesmo.
Ao contrario de outras revoluções externas que fazem parte da sua história, essa revolução precisa ser interna. Ela precisa ser resultado de uma vontade que invade o seu coração e sua alma".
Nossa alma é grande, diversa, criativa e generosa. Poucos povos conseguiram assimilar diferentes culturas como nós. Somos o resultado da mistura do índio americano, do negro africano e do branco europeu. Criamos o samba, a bossa nova e temos uma cultura rica e um enorme potencial que precisa ser melhor canalizado. Só depende de nós. Vamos parar de culpar os outros. Como nos lembra George Bernard Shaw "As pessoas estão sempre culpando suas circunstâncias pelo que elas são. Eu não acredito em circunstâncias. As pessoas que progridem neste mundo são as pessoas que se levantam e procuram pelas circunstâncias que elas querem, e, se elas não conseguem encontrá-las, elas as fazem".

O futuro não está escrito nas estrelas. 

Vamos construí-lo.

 

Um comentário:

  1. Essa entrevista do Nelson Motta pode ser usada para explicar muita coisa, dependendo do tema que está sendo discutido. Em dos momentos, especialmente quando ele fala sobre os seus nove anos vividos nos EUA, penso que explica um pouco a atual diferença entre os valores dos PIBs Brasil/EUA. Confira https://youtu.be/dkHGUmH_sBg

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